Desmistificar a ADD – Defender uma avaliação sem classificação!

O Ramiro deu-me hoje um pretexto para procurar desfazer um equívoco, que é recorrente nas críticas aos modelos de avaliação do desempenho docente centrados na escola situada, ao explicar as razões pelas quais tem sido crítico de uma avaliação interpares:

Ao longo dos últimos 20 meses, publiquei no ProfBlog centenas de textos a criticar a avaliação interpares. Resumo as críticas em três frases: provoca uma guerra civil de baixa intensidade nas escolas, aumenta os ressentimentos entre os professores e dificulta o trabalho cooperativo dos professores. Estas consequências negativas só desapareceriam caso houvesse apenas a menção de Bom e fossem abolidas as quotas e contingentes. Como há as menções de excelente e de muito bom e como o ME não abrirá mão da definição de percentagens de muito bom e de excelente, a avaliação interpares será sempre um instrumento de  promoção do mal-estar nas escolas. E, claro, de agravamento da burocracia. E mal-estar gera desmotivação profissional.

Como se percebe ao longo do texto, o problema das avaliações interpares decorre não das avaliações mas do problema das classificações. Isto é, se desaparecessem as classificações e as menções de Bom, Muito Bom e outros quejandos, muito provavelmente, desapareceria a guerra civil, diminuiriam os ressentimentos entre professores e seriam criadas as condições mínimas para a reconstrução da confiança entre os parceiros educativos. Sendo a avaliação uma tecnologia educativa com inegáveis resultados pedagógicos e sociais que importa manter, depuremos então da avaliação o seu problema, que parece ser a classificação.

Caro Ramiro, o sistema que defendes não iria resolver o problema de fundo, as guerras, os ressentimentos e as outras maleitas persistiriam, porque o filtro pelo qual se presume que é purificado o desempenho docente não é capaz de solucionar o problema da percepção de competência profissional (porque esse problema tem de ser resolvido a montante, no ensino superior). Um exemplo, ou melhor dois exemplos, talvez me ajudem a aclarar esta ideia. São dois exemplos clássicos (Bento,1987) observados na minha área disciplinar para explicar que o conceito da essência de uma disciplina é de significado primordial para a análise do ensino:

  • Vamos supor que dois professores tinham combinado analisar reciprocamente as aulas e que um deles entende a Educação Física predominantemente como treino de condição física, enquanto outro concebe a sua incumbência específica como “entretenimento, divertimento dos alunos” (permitam-me esta simplificação).
  • O professor “entretidor” será de opinião que a aula do colega não resultou grande coisa, pois notou falta de “prazer”. O professor “treinador da condição física” não entenderá aquele parecer. Então o seu colega não viu quão elevada foi a intensidade do esforço corporal?! Os alunos, empenhando-se, trabalhando e suando “a valer”, apresentaram uma prova viva da qualidade da aula!

A meu ver, o problema não está no sistema de avaliação X ou Y. O problema está na instrumentalização que é feita ao sistema de avaliação de competência profissional. Um sistema de avaliação que deveria ser utilizado para ajudar os professores a melhorar a prestação profissional, dispensando por isso qualquer classificação, acaba por ser reduzido a um sistema de classificação que é utilizado para legitimar uma redistribuição de incentivos financeiros que favorece alguns e desfavorece outros, conforme o quadro de referência que for escolhido para catalogar os desempenhos. E esse quadro de referência tanto poderá premiar o “entretidor” como o “treinador da condição física”, obviamente.

Regressando à proposta do Ramiro, qualquer classificação, venha ela de onde vier, seja ela feita por quem a fizer, será sempre susceptível de provocar entropia nas escolas enquanto houver um conceito plural de competência. E sempre que a avaliação for usada na sua dimensão normativa, selectiva, irá ser combatida na escola situada. Enquanto não aceitarmos esta evidência, de que não há nem pode haver um entendimento único da qualidade do desempenho docente, continuaremos a mistificar a avaliação do desempenho docente. É difícil de explicar a complexidade da avaliação dos professores? É! É difícil de defender uma avaliação exclusivamente formativa? É! Mas é preferível defender um sistema que sirva as escolas do que uma sistema que favorece apenas os arautos neoliberais que povoam os gabinetes ministeriais.

4 thoughts on “Desmistificar a ADD – Defender uma avaliação sem classificação!

  1. Excelente argumentação. Mas o problema persiste. Como convencer o ME de que o modelo proposto não favorece a melhoria das práticas e envenena o ambiente das escolas? Se calhar o Governo quer é alcançar o segundo objectivo porque também não acredita no primeiro.

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  2. Excelente post. Parece-me, no entanto, ser muito fácil comprovar que principal intenção da tutela é a contenção de despesas. Por isso a insistência nos bizarros 5 níveis (alguém perguntava como se distingue um MBom de um Ecx), os quais estranhamente ninguém discute. Qualquer rápida consulta a sistemas de avaliação de desempenho nos EUA, Canada e mesmo Inglaterra mostrará no máximo 4 níveis, havendo mesmo, no caso de Ontario, um simples: below standard/ standard/ above standard. Obviamente que, neste caso e mesmo sendo a avaliação da responsabilidade ddo director, coadjuvado ou não pelos responsáveis dos departamentos, se trata de um procedimento com vista a identificar os possíveis casos que necessitam de apoio e os eventuais casos de professores que se destacam. Em Inglaterra a escola pode propor estes últimos para progressão mais rápida mas, neste caso, há intervenção de um avaliador externo (inspector). Parece um dispositivo bem mais fiável e justo mesmo no caso de se pretender a diferenciação pelo de mérito do que as quotas.

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