Um novo embrulho para a ADD

Os princípios gerais de proposta de novo Modelo de Avaliação de Desempenho Docente podem ser lidos aqui, no blogue do Paulo Guinote.

Não se trata de um novo modelo. Direi que se trata do refinamento do modelo actual, expurgando-se as pífias incompatibilidades intra-muros, embora se preserve a mesma lógica e, tudo leva a crer, o mesmo quadro de referência. Pelo que me é dado observar, a existir uma mudança radical no novo modelo, ela só se verificou ao nível do discurso do ministro. Dos princípios gerais enunciados só o nº4 e o nº5 me suscitam algumas reservas e a questão das quotas ficou por esclarecer.

4.º Princípio. HIERARQUIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO com REFERÊNCIA EXTERNA, a fim de eliminar conflitos de interesses entre avaliadores e avaliados. Os avaliadores terão de pertencer a um escalão mais avançado que os dos respectivos avaliados. As aulas observadas serão efectuadas por professores do mesmo grupo disciplinar, mas exteriores à escola do professor avaliado.

O requisito do avaliador pertencer a um escalão superior ao do avaliado terá de ser complementado com a formalidade da habilitação académica do avaliador, que nunca poderá ser inferior à do avaliado.

5.º Princípio. VALORIZAÇÃO DAS COMPONENTES CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA em sala de aula, tendo em vista a melhoria dos resultados escolares.

Prevejo a regeneração do debate em torno dos padrões de desempenho.

Já avisaram o senhor ministro…

… da educação? Liguem a limusina para o levar ao aeroporto.

Aluno português recebe medalha nas Olimpíadas de Informática

Sempre desconfiei da retórica do mérito e da excelência porque a considero redundante na educação. Ninguém educa para a mediania, ninguém legisla convencido de que vai deteriorar a qualidade do sistema de ensino e todos os actores querem acreditar que através da sua acção o sistema de ensino ficará melhor. A excelência é um imperativo ético!

Sabendo que os resultados da educação resultam de relações múltiplas e cruzadas entre variáveis intrínsecas e extrínsecas, é injusto e intelectualmente desonesto pretender explicar os resultados alcançáveis por meio de uma variável apenas.

É por isso que considero excessiva e demagógica a presença do ministro da educação no grupo de recepcionistas aos alunos premiados em concursos internacionais.

Acreditar que a presença do ministro da educação na comitiva de recepção aos medalhados será capaz de provocar os alunos do sistema de ensino de modo a investirem mais no trabalho para obter resultados de excelência, seria o mesmo que acreditar que os prémios de excelência do Cristiano Ronaldo catalisam a qualidade da prática dos nossos jovens futebolistas.

Já nos bastou um Sócrates populista!…

Uma boa notícia

O uso de técnicas de rotulagem a determinadas áreas ideológicas, políticas ou profissionais, tem como objectivo descredibilizar opiniões contrárias ao modus vivendi instalado: Ou porque se é radical de esquerda, ou porque se está comprometido com os sindicatos, ou porque se tem medo de ser avaliado, o rótulo serve para desbravar caminho a incautos. Raras vezes produzem os resultados desejados porque nenhum dos pretensos atributos é negativo em si mesmo, assim como não são positivos os atributos contrários.

À míngua de argumentos susceptíveis de serem refutados, seria desejável que olhássemos para cada uma das medidas do governo sem pruridos, sem receio de criticar ou de anuir. Seria uma lástima que profissionais “livres de pensamento”, como devem ser os professores, ficassem reféns de preconceitos e de fantasmas ao serviço de uma qualquer agenda política.

Isto vem a propósito desta excelente medida tomada pelo ministro da educação, Nuno Crato, por mais lamentáveis que sejam algumas das suas consequências, designadamente, o aumento do desemprego docente:

Dos 400 professores que trabalham nas direcções regionais de Educação, 320 voltam, em Setembro, às escolas de origem.

As DRE´s prestam serviços redundantes e por isso devem ser extintas.

Apologia do acriticismo.

O maniqueísmo tomou conta do Ramiro. Como contestatário que sou de qualquer modelo de ADD de faz-de-conta, que sirva apenas os interesses da tutela (porque os recursos são escassos e há que retirar a alguns para dar a outros), e que não beneficie os professores que desejam o seu desenvolvimento profissional, sou rotulado de medroso ou de presunçoso. E só de pensar na contestação à senhora Maria de Lurdes e seus apaniguados só porque tentaram descobrir, entre um emaranhado de descritores, quem são os umbiguistas e os cagarolas… Afinal, a coisa é bem mais simples: O Ramiro, numa penada, resolve a separação do trigo do joio pela via da suspeição. Os maus professores contestam! Os bons professores devem baixar as orelhas! O meu desejo é que não tenham de baixar também as calças…

Quanto à argumentação propriamente dita nada é acrescentado além da relutância à avaliação formativa que é, como se sabe, uma avaliação mais humanizada, mais situada nos contextos vividos por professores e menos preocupada com os resultados, com a norma ou padrão.

Mudança para a sobrevivência da escola.

(in: Público, 24/7/11)

É com grande distanciamento que devemos observar as características dos sistemas educativos de referência porque os estudos internacionais oferecem algumas possibilidades interessantes, desde que reconheçamos as suas limitações. Qualquer sublimação de um sistema educativo paradisíaco esbarra com as limitações próprias dos estudos que o caracterizam, que levam ao desprezo dos pormenores importantes.

Guilherme Valente diz-se conhecedor do sistema educativo finlandês e aponta-o como exemplo a seguir. Não é nova a tentação de seguir sistemas de referência e o exemplo mais recente foi a abjecta ADD imposta pela ministra de má memória, Maria de Lurdes Rodrigues. O editor da Gradiva considera que é impossível reproduzir, entre nós, o cenário social de fundo que suscita a qualidade da escola finlandesa (o respeito pela educação e o prestígio da escola; os pais com instrução elevada, acompanham com exigência o trabalho escolar dos filhos). Em bom rigor, este ambiente de fundo está criado. Vejamos: quanto à instrução dos pais, o programa das Novas Oportunidades está aí a produzir certificações em série e encontra-se em fase de velocidade de cruzeiro; quanto ao prestígio da escola e respeito pela educação, sabendo quão prestigiados são os professores nos estudos de opinião, como é possível desconfiar da escola(?); Quanto ao acompanhamento do trabalho escolar dos filhos, um país cujo desemprego não pára de aumentar acaba por permitir, de forma paradoxal, acompanhar os filhos nos trabalhos escolares. O caldo está criado, caro Guilherme Valente. O mais difícil será o que diz ser praticável: Mudar a cultura de escola para um qualquer arquétipo de rigor e exigência. A meu ver, não é possível mudar a cultura de escola sem a compreender. E como a cultura de escola é plural, é preciso viver a escola situada para empreender qualquer mudança. Não sei se a mudança deve ir no sentido da exigência. Estou mais inclinado que a mudança deve ir no sentido de garantir a sobrevivência da escola. Porque este modelo de escola que o senhor ministro da educação advoga (escola unidimensional) é um modelo que conduz à destruição da escola, entendida como instituição formadora de sujeitos (integrais), como “templo” de transformação do homem.

E aqui estamos de acordo: Sem essa mudança de cultura (para a sobrevivência da escola), servirá de muito pouco aumentar o número de aulas de matemática e de português.

O elixir

A receita de quem tem 20 a Matemática: trabalho, trabalho, trabalho

(…) Concordam que o bom resultado não tem uma receita com muitos ingredientes. É preciso «trabalho, trabalho e trabalho». Dá jeito «gostar do que se está a fazer» e «acreditar que se vai conseguir».

Todos têm ocupações fora da escola, cursos mais ou menos escolhidos e férias alinhavadas. Garantem quase em coro que não há muitas coisas que deixem de fazer por terem de estudar.

Ruben Leston, 18 anos, o primeiro a contar da esquerda, vai estudar Medicina ou Engenharia Espacial, ainda não decidiu. Tem uma média de «18 ou 19, dependendo de como correrem as melhorias», joga futebol e pratica natação.

«Temos de aprender a dosear o esforço. Tudo o que é demais é exagero. Não deixo de fazer nada por ter de estudar. Quando acho que estou a trabalhar demais vou dar uma volta, apanhar ar», contou.

Muitas vezes, acrescentou, «a Matemática é uma forma de escapar ao resto»: «Quando começamos a fazer exercícios e a estudar nem damos pelo tempo passar».

Na outra ponta da mesa, Patrícia Pires, 17 anos, vai estudar Medicina. A média de secundário passa dos 18. Este ano praticou atletismo e também sente o tempo a fugir quando faz exercícios de matemática. No dia do exame, diz, é importante que se «controlem os nervos». (…)

E se não der certo, se mais aulas não produzirem melhores resultados, podemos experimentar amarrar os alunos às cadeiras nas aulas de matemática e de português?

Onde está o botão?

Enquanto são preparadas as medidas de fundo, as grandes “reformas” na educação, há muito pouco para comentar. Quanto a medidas concretas só conhecemos o reforço da carga lectiva a português e matemática e a decisão de mandar encerrar 266 escolas. Duas medidas já anunciadas pela anterior equipa governativa e que só o mero pormenor da escala nos permite dizer que não são medidas sincrónicas.

Independentemente dos motivos mais ou menos fundamentados que nos levam a concordar ou discordar do reforço da carga horária a português e matemática, sabemos que essa medida anunciada não resultou de qualquer plano estruturado de intervenção nem é o resultado de qualquer estudo sobre os problemas com a aprendizagem e com o ensino da matemática e do português. São medidas avulsas, pouco rigorosas, que até podem gerar efeitos contrários aos que se propuseram se esse tal plano tardar: Se nada se alterar dentro da sala de aula, se os alunos e os professores repetirem os mesmos preceitos de aprendizagem e de ensino, o reforço da carga horária não gerará qualquer efeito mas agora com uma agravante: os professores serão os únicos responsáveis pela oportunidade perdida.

Compreendo a natural satisfação dos professores destas duas disciplinas que se regozijam pelo acréscimo de tempo mesmo sem saberem se mais tempo de ensino corresponderá a mais tempo de aprendizagem e de treino. Só que mais cedo do que tarde, esses mesmos professores irão questionar-se sobre os eternos enunciados da aprendizagem e que se sintetizo numa simples questão: onde está o gerador da motivação dos alunos? Onde está o botão?

Factos que descredibilizam a trajectória das políticas

Aluno português conquista medalha de ouro nas Olimpíadas Internacionais da Matemática

“Isto é a prova de que, se houver trabalho e empenho, conseguimos ter os melhores resultados. Temos alunos excelentes, e isso é óptimo”, sublinhou Joana Teles, igualmente docente do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, que há uma década, com o seu programa Delfos, prepara estes talentos matemáticos.

Eis o nó górdio da questão, senhor ministro: Se houver trabalho e empenho, conseguimos ter os melhores resultados. Reforçar a carga horária a Matemática não garante trabalho nem o empenho pessoal dos alunos, como é óbvio.

Um outrÒÓlhar sobre os exames nacionais

Há um exercício que se vulgarizou sem ser devidamente questionado e que consiste em comparar as médias dos resultados dos alunos por disciplina em exame com as médias dos resultados por disciplina dos alunos nas avaliação internas. Isto é, usando o cliché, comparam-se as CIF´s com as CEF´s.

A questão que subjaz a esta comparação é a de saber se os professores inflacionam ou não as notas dos alunos utilizando como padrão a prova de exame.

Contudo, basta alterar e invertermos esse padrão para chegarmos a outra questão, não menos relevante, que é a de saber se as provas de exames estão bem ou mal ajustadas face ao trabalho que a comunidade docente realiza nas escolas.

Claro que para fazer este exercício é necessário pressupor que a comunidade docente é séria e que está bem preparada para a função e, finalmente, que as escolas de formação de professores são credíveis.

Só que este exercício vende menos, digo eu, e não interessa à tutela centralista que desse modo deixaria escapulir-se um instrumento de controlo do trabalho docente e das escolas.

Rabo preso

A crónica de Santana Castilho publicada hoje no Público (que pode ser lida no blogue do Ramiro) é denunciadora de um tipo de política abjecta que este governo não soube, ou não quis, abdicar.

Não havendo confiança entre eleitores e eleitos, são risíveis os compromissos assumidos e as promessas eleitorais.

Santana Castilho demarcou-se deste modo de governar desde o primeiro momento, desde a primeira medida anunciada. Os acólitos de Nuno Crato depressa se insurgiram contra este posicionamento de Santana Castilho considerando que se tratava de ressabiamento próprio de quem sente traído. A discussão resvalou para o plano da trica ao invés se focar no plano dos argumentos. Paradoxalmente, aqueles que mais têm criticado os sindicatos pela pretensa encenação ou até pelo fingimento de quem não está interessado em resolver os problemas da educação, sustentam um silêncio conivente com os mentirosos da política só porque concordam com as políticas. Vendo bem as coisas, há males que vêm por bem…

Por que deseja a entropia, senhor ministro?

Não será um pormenor despiciendo para quem defende o rigor e a exigência na gestão dos escassos recursos educativos.

Nuno Crato já prometeu acabar com este modelo de avaliação. O actual modelo, com uma forte componente interna, apela à intervenção de um conjunto de avaliadores – os relatores – aos quais é atribuído um crédito horário de 45’ por cada 3 avaliados.

As escolas estão a preparar os horários para o próximo ano lectivo e, como é do conhecimento do senhor ministro da educação, essa creditação irá ser concedida aos relatores agora e não em Setembro.

Não continuando com a farsa desta ADD, o que propõe o senhor ministro:

  • Que em Setembro se dê uma volta aos horários dos relatores (e de todos os horários na medida em que as turmas já atribuídas terão de ser redistribuídas)?
  • Que se atribua creditação por um trabalho que não será realizado?
  • Ou que se imponha outro tipo de trabalho aos relatores para justificar essa creditação?

A ciência e a política jogam-se em tabuleiros diferentes.

O Ramiro, talvez desafiado por mim quando o questionei sobre o grau de certeza das suas propostas e sobre as evidências na investigação que o levam a propor mais horas para Português e Matemática, escreveu este post em que nos dá conta de um estudo realizado por James Peyser sobre 18 escolas integradas no New Schools Venture Fund com o objectivo de identificar as variáveis associadas ao bom desempenho dos alunos.

O Ramiro é um apoiante indefectível de Nuno Crato. Não vem o mal ao mundo por isso e nem isso seria relevante não fosse o caso de ser um investigador com experiência, obra publicada e créditos firmados. Nem sempre as decisões políticas são sustentadas pela investigação. Por um lado porque não há investigação capaz de abarcar a complexidade da realidade sobre a qual a decisão interfere, e por outro lado, o jogo político desenvolve-se noutro tabuleiro com regras próprias que ignoram, quase sempre, as regras da investigação. Ao pretender legitimar a decisão política com os resultados da investigação científica, o Ramiro não deve ignorar a sua condição e, ao contrário de um qualquer “zeco” cuja missão principal é ensinar e não investigar, tem de ser rigoroso. Não pode, não deve, “usar” a investigação à la carte por muito que aprecie a decisão política. Não foi por acaso que o instiguei a apresentar resultados da investigação para que se separasse o trigo do joio, para que não se confundam as questões de fé com as questões de ciência.

Ora, o Ramiro sabe muito bem que os resultados escolares não se explicam apenas com uma, duas, três, quatro ou até meia dúzia de variáveis, embora há investigadores que se concentram especialmente em algumas delas. Dir-me-á que não fez mais do que apresentar os resultados de um estudo que atestam o que ele pensa sobre determinado assunto. É verdade. Mas é um mau serviço prestado à ciência revelar apenas uma parte daquilo que se conhece omitindo o seu contraditório.

Alejandro Ferrer (1), investigador espanhol e catedrático de Teoria e História na Universidade Nacional de Educação à Distância de Madrid, sintetiza no quadro seguinte dois tipos de variáveis que nos podem ajudar a compreender os resultados da educação:

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O autor chama a atenção para o facto de existirem relações múltiplas e cruzadas entre as variáveis e mesmo quando possa haver interesse em estudar um delas em particular não se pode pretender explicar os resultados alcançáveis por meio de uma variável apenas. E diz mais: “não há dúvida que os estudos internacionais oferecem algumas possibilidades interessantes, desde que reconheçamos as suas limitações. […] Estes tipos de estudos permitem a comparação da situação de determinado sistema educativo com a de outros que possam servir-lhe de referência, permitindo-lhe identificar os seus pontos forte e fracos, bem como avaliar o progresso realizado ao longo do tempo. Mas, em contrapartida, as suas conclusões surgem limitadas pela perspectiva macroscópica adoptada, que leva ao desprezo dos pormenores importantes, pela visão pouco contextualizada com que abordam os sistemas educativos, e pela estardadização imposta pelos seus métodos e técnicas de análise.”

Sabemos quanto Nuno Crato despreza a investigação realizada na Educação. O que não deixa de ser paradoxal para quem carrega o peso da reputação de investigador de excelência. Que Nuno Crato tome decisões políticas firmadas na sua fé e nas crenças que desenvolveu enquanto fazedor de opinião e conferencista, ainda se tolera. O que me custa mesmo a entender é a eventual legitimação pela via da ciência de políticas que devem ser apenas sustentadas pela via ideológica do back do basic.

A investigação empírica e os estudos internacionais nesta área têm uma tradição de cerca de cinquenta anos. Uma das linhas de investigação que pretendeu avaliar o efeito do tipo de variáveis sobre o rendimento académico é conhecida como estudo da eficácia escolar. O holandês Jaap Scheerens é um dos principais autores desta linha de trabalho e apresenta um conjunto de conclusões pouco animadoras após realizar diversas análises empíricas a partir de investigações próprias e doutros autores. Chegou à conclusão de que muitas das variáveis sobre cujo efeito existe um consenso bastante generalizado não dispunham de uma suficiente base empírica, com se verifica na tabela seguinte:

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Não se deve tresler que se deve ter menos apreço sobre estas variáveis ou que o seu efeito é irrelevante. O problema está no facto de não ser fácil quantificá-las. E se esta dificuldade já se nota em estudos de pequena escala, ainda é maior nos estudos internacionais que adoptam uma perspectiva muito vasta.

Ora, olhando novamente para o problema do aumento do tempo de aprendizagem da Matemática e do Português. Que Nuno Crato goste de Português e de Matemática por qualquer tipo de preconceito, ainda se percebe. Também se percebe que o reforço do tempo de ensino e de aprendizagem induzirá melhores resultados, como mostra a investigação. Que deseja generalizar os exames nacionais ao maior número de disciplinas escolares, já lhe conhecemos a vontade – uma overdose de exames, portanto. Mas, estou para saber como vai descalçar a bota se se verificarem resultados negativos a um conjunto alargado de disciplinas. Vai esticar a carga horária dessas disciplinas? Ou dirá que não são importantes para o sucesso académico dos alunos?

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(1) in: Azevedo, Joaquim (org.). Avaliação dos resultados escolares, Edições ASA, 2003.

Das notícias…

1. Anunciados os maus resultados dos alunos nos exames nacionais às duas disciplinas favoritas do ministro da educação, estão reunidas as condições mínimas para que a comunicação social releve, já no próximo ano lectivo, os efeitos extraordinários das políticas deste governo. O reforço da carga horária a Português e a Matemática vão ter efeitos extraordinários nos resultados dos alunos, como tiveram no passado o PAM e o Plano de Leitura. Partir do zero, ou perto dele, é sempre um bom começo porque a herança é leve, muito leve, e qualquer melhoria será sempre adjudicada à acção governativa.

2. Ouvi Nuno Crato na conferência de imprensa no início da tarde. Foi uma aparição defensiva e limitou-se a dizer que as alterações no plano curricular do ensino básico foram pensadas para não perturbar sobremaneira o início do ano lectivo, o que me parece bem. Prometeu mudanças mais profundas no sistema educativo para mais tarde. Há que aguardar para ver. Os secretários de estado face à inocuidade do que disseram, a presença na conferência de imprensa serviu essencialmente de treino de adaptação aos holofotes da comunicação social.

3. Edviges Ferreira, directora da Associação de Professores de Português comenta os maus resultados dos alunos a Português. Depois de ontem ter defendido mais horas para a sua disciplina, porque crê que o problema dos maus resultados em exame resolve-se com treino intensivo, hoje vem justificar o desaire dizendo que "os alunos estão cada vez menos preocupados com o exame de Português e mais preocupados com os exames de Matemática, de Físico-Química, etc.", que lhes permitem a entrada "em cursos com médias altíssimas" e “não houve uma aferição de critérios por parte dos professores classificadores, não houve uma reunião", o que levou a que "uns classificassem de uma forma e outros de outra”. Mas não foi sempre assim? Será que os alunos só este ano é que se lembraram de renegar o Português? E quanto à questão dos critérios não estarem bem afinados entre os classificadores: como é possível acreditar que essa sincronia geraria melhores resultados? Vamos supor que os classificadores afinavam o diapasão pelo “rigor”; seriam melhores os resultados dos alunos?

4. E vamos cantando e rindo… à espera de resultados diferentes com as mesmas políticas e as mesmas técnicas de comunicação.

A verdadeira autonomia de escola segundo Nuno Crato

A alínea f da matriz curricular do 3º ciclo do ensino básico traduz a ideia de autonomia de escola para o ministro da educação. As escolas podem decidir o que fazer com um crédito horário de 90 minutos semanais (dando largas à liberdade e autonomia) desde que o distribuam pelas disciplinas de Língua Portuguesa ou de Matemática ou utilizem para actividades de acompanhamento e estudo, de acordo com a opção da escola.

Matemática, Português, estudo, acompanhamento de quê? E se as escolas considerarem que esse tempo é necessário para promover a actividade física dos alunos numa lógica de prevenção da epidemia da obesidade?

Fantástico!

Mais tempo, para quê?

Resultados dos exames do 9º ano são os piores dos últimos anos

“Por comparação a anos anteriores, quando as provas mais fáceis, os alunos melhoraram. Sabem mais. Mas tendo em conta o patamar de onde partimos, não conseguimos responder ao grau de exigência pedido este ano. O que quer dizer que há um longo caminho ainda a percorrer”, constata Elsa Barbosa. E esse caminho passa, necessariamente, por atribuir mais horas ao ensino da Matemática. O que é também pedido pela presidente da Associação de Professores de Português, Edviges Ferreira. O reforço destas disciplinas consta do programa do actual Governo. Segundo aquela docente, os resultados deste ano só vêm reforçar que esta é uma medida que não pode ser adiada por mais tempo.

É confrangedora a linha de argumentação usada pelos responsáveis das associações de classe ouvidos pelo jornal Público. A Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação de Professores de Português consideram que o problema dos maus resultados dos alunos em exame nacional é resolvido com mais horas. De facto, face à quantidade e complexidade dos conteúdos contemplados nos programas nacionais, o alargamento da carga horária nas ditas disciplinas intensifica o treino dos alunos e, para um exame de igual grau de dificuldade, com o mesmo investimento pessoal dos alunos, é possível obter melhores resultados. Aliás, o ministro da educação já se comprometeu a alargar a carga horária nestas disciplinas. Mas, até quando? Eu explico a pergunta: por hipótese, é sempre possível aumentar a complexidade dos exames fazendo crer que as horas dedicadas são sempre insuficientes, o que prolongará a reivindicação por tempo indeterminado. Todos os anos serão precisas mais horas porque… não há tempo!

Ainda perceberia a exigência se o tempo que é destinado a estas disciplinas hipotecasse o desenvolvimento de capacidades lógico-dedutivas e comunicacionais, por exemplo. Mas até aqui é difícil de entender a reivindicação porque há um conjunto de disciplinas escolares que contribuem e concorrem para o desenvolvimento destas e outras capacidades.

Como a questão é colocada ao nível da demonstração de proficiência num conjunto de conteúdos programáticos, então há que rever a concepção dos exames que, muito provavelmente, não se ajustam ao que se propõem avaliar.

Só que reconhecer esta evidência tem mais custos… corporativos!

Pensamentos soltos… muito soltos sobre equidade

Um objectivo universalmente aceite da escolarização é o da justiça nas oportunidades, recursos e resultados educativos, independentemente do género, da classe social, da raça, da língua e da localização geográfica. E não há medida de política educativa que dispense o princípio constitucional e ético da equidade, quer se trate de decisões relativas ao ordenamento da rede escolar (lembremo-nos dos polémicos encerramentos de escolas do interior do país), ou de decisões que comportam uma determinada opção ideológica de patrocínio ou de ostracização do mercado da educação (por exemplo, a recente celeuma em torno da redução do financiamento às escolas privadas com contrato de associação), ou decisões que têm que ver com a concepção dos currículos e programas. Tomadas as medidas e esgotado o tempo da discussão (quando a há), só as situações insólitas permitem relançar o debate acerca essas premissas.

Sempre que a comunicação social descobre problemas com os exames nacionais ou quando a distribuição da rede escolar configura um caso de segregação, emerge a retórica da equidade.

E regressará sempre que o ministro da educação insistir em fazer proliferar os exames nacionais a um número alargado de disciplinas. Regressa porque permita aclarar os rumores que dão conta de concorrência desleal em escolas privadas que inflacionam as classificações em disciplinas não sujeitas a exame nacional e ainda “desviam” carga horária semanal para as disciplinas “nucleares” numa lógica de reforço das aprendizagens.

Há males que vêm por bem!

Mudar de lente (I)

Federalização ou refragamentação europeia? Eis a questão que emerge da crónica de Rui Tavares publicada na 2ªf no Público.

O milagre do lixo

«Será que se pode levar um murro no estômago e ver a luz? Pelos Actos dos Apóstolos, sabemos que São Paulo, quando ainda se chamava Saulo e perseguia cristãos, foi cegado por uma luz fortíssima que o fez cair do cavalo quando viajava na estrada para Damasco. Depois deste momento, mudou de nome e tornou-se no mais importante apóstolo da fé cristã que antes perseguia.

Tudo pode acontecer. Sobretudo em Portugal. O que testemunhámos na última semana com o nosso Presidente da República foi um episódio de conversão digno de São Paulo na estrada de Damasco. Cavaco Silva dizia, há poucos meses ainda, que Portugal tinha de dar a outra face – "não vale a pena recriminar as agências de rating", foram as palavras usadas. Agora, quando o Governo é do seu partido e a Moody"s nos classifica como "lixo", diz que elas "são uma ameaça". Antes explicou-nos que "não podemos insultar os mercados, que são quem nos empresta o dinheiro"; agora anseia por expulsar os vendilhões do templo.

Mas há aqui diferenças fundamentais. São Paulo viu primeiro a luz e só depois caiu do cavalo. Aqui, a causa física – o murro no estômago – deu-se antes da iluminação espiritual. Mais milagroso ainda, quem levou o murro no estômago foi uma pessoa – o primeiro-ministro – e quem teve a revelação foi o Presidente da República. Creio que estas duas personagens vivem em união mística como nunca antes se vira entre Belém e São Bento. São Pai e Filho, a que devemos acrescentar Paulo Portas como Espírito Santo. Este não é só o Governo da troika; é também o Governo da Santíssima Trindade.

E o próprio país, que ainda não viu a luz ao fundo do túnel, viu também a luz ao fundo do estômago. Finalmente uma maioria de comentadores apercebeu-se de que o problema está na incapacidade europeia em resolver uma crise europeia e as televisões encheram-se de gente a suspirar pelos eurobonds que permitiriam mutualizar a dívida da zona euro.

Finalmente. Com a autoridade de quem escreve sobre mutualização de dívida desde que a crise começou e alertou, repetidamente e sem êxito, contra a futilidade do nosso debate excessivamente doméstico, deixem-me apreciar este momento. E, logo a seguir, explicar que a coisa não é assim tão simples.

Sim, o problema está na incapacidade europeia em resolver uma crise europeia. Mas essa incapacidade não se dá pela falta de boas soluções técnicas. A criação de uma agência de notação europeia, em si uma boa ideia por trazer um pouco mais de pluralidade aos ratings, só contrapõe um conflito de interesses positivo ao conflito de interesses negativo que existe agora.

Quanto à criação de eurobonds, ela leva-nos para o cerne da questão. Quando houver um mercado de dívida de 4 ou 5 biliões de euros, quem administrará esse dinheiro? A Comissão Europeia? Mas nós não elegemos a Comissão. Teremos, pois, de passar a eleger um Governo europeu, e complementar a federalização económica com uma federalização política. A coisa não vai lá com um "euroministro das Finanças" com poder de veto, mas apenas com a construção de uma democracia europeia que suplante este clube de democracias.

Esta crise não é uma crise das dívidas soberanas. Onde há dívida, já não há soberania monetária. Onde está a soberania monetária (em Frankfurt), não há dívida – nem democracia. Ou trazemos a soberania de volta para onde estava, e temos uma refragmentação europeia; ou levamos a nossa democracia para onde está o poder, e temos federalização. A estrada de Damasco não acabou aqui. À frente, temos uma bifurcação. A próxima crónica será ainda sobre isto.»

Rui Tavares in Público, 11 de Julho de 2011

Quem se mete com o PS(D) leva

O Ramiro apela a que nos habituemos. Nós, os famigerados sindicalistas e blogueiros, temos de habituar-nos ao silêncio conivente de Nuno Crato. Um silêncio legitimador das políticas de Maria de Lurdes Rodrigues e Isabel Alçada que tanto criticou enquanto opinador e conferencista.

Este apelo do Ramiro fez-me lembrar a expressão socratina de quem se acolita ao poder: quem se mete com o PS(D) leva.

De facto já estamos habituados porque ainda não tivemos tempo para esquecer de que massa é feito o embuste e o político ardiloso.

Como é urgente fazer uma barrela ao desporto infanto-juvenil…

clip_image002No passado fim-de-semana estive em retiro lá para os lados da Serra de Lousã. Não fui à procura dos deleites gastronómicos da região nem do sossego do lugar, embora não me fiz rogado de tudo a que tive direito. Impunha-se acompanhar um extraordinário evento desportivo de Voleibol que vai já na sua décima segunda edição, reúne cerca de 1 200 participantes directos distribuídos por 67 equipas e 200 jovens voluntários.

Estão de parabéns os organizadores, que têm melhorado ano após ano as condições de realização e apoio aos participantes, estão de parabéns os responsáveis pelos clubes desportivos que facultam aos seus jovens atletas uma experiência singular que é extremamente significativa em vários planos do seu desenvolvimento.

Este não é o momento, nem o lugar, para dissecar as especificidades da competição. Guardarei essas notas de trajecto para outros fóruns de discussão. Não resisto, no entanto, a deixar uma breve nota sobre o enquadramento técnico a proporcionar aos jovens. É geralmente reconhecido e com argumentação convincente que deveriam ser os treinadores mais experientes a acolher os praticantes mais jovens. Contudo, o nosso sistema desportivo não tem condições de cumprir este imperativo e são os treinadores jovens, também mais inexperientes, a assegurar a formação desportiva dos praticantes mais jovens. Esta é a nossa realidade e é com ela que temos de lidar. Sabemos que o dia-a-dia do treinador jovem é percorrido num terreno minado de interesses contraditórios, todos eles imbuídos de “boas intenções”. Há um denominador comum entre esses interesses: a tentativa de moldar a prática dos jovens aos interesses dos adultos. É preciso ter armas adequadas para resistir às constantes emboscadas de alguns dirigentes e pais.

É uma pena que não seja possível generalizar os excelentes exemplos de treinadores jovens que procuram alicerçar o seu ensino num quadro de valores que colocam o bem estar dos outros acima dos seus próprios interesses. São estes bons exemplos que deviam ser relevados, e não são, porque permitem que esses valores se projectem na formação dos jovens integrando-os nas recomendações pedagógicas que sustentam o ensino.

Déjà vu

A farsa da ADD vai prosseguindo o seu caminho num processo risível. Enleada num jogo da política de sarjeta que só por brincadeira se classifica de tacticismo político, a ADD foi esvaziada de sentido – porque o modelo é conceptualmente iníquo por não ser capaz de destrinçar desempenhos – e de pertinência – porque ridiculariza e desclassifica um processo que é fundamental ao desenvolvimento profissional dos professores.

O PCP decidiu, e bem, entregar na próxima segunda-feira na Assembleia da República um projecto de lei que visa a suspensão da avaliação dos professores.

Manda o bom senso aguardar pelo desenlace da iniciativa. Mas não sentem, como eu, uma espécie de déjà vu?