Com papas e bolos se enganam os tolos

Não foi por obra do acaso que o país chegou onde chegou. Foi necessário conjugar vários elementos perversos para a saúde da nossa democracia: irresponsabilidade política de inúmeros oportunistas, videirinhos que tomaram de assalto lugares de comando do Estado; inércia abstencionista de milhares de eleitores que deixam terreno fértil para a aberração democrática designada por “partidos do arco do poder”; conivência da comunicação social, em muitos casos acéfala, que por manifesta incompetência parece mais vocacionada para propagandear o poder hegemónico do que para desconstruir os factos políticos, garantindo o mesmo espaço mediático ao contraditório.

E mais grave do que não abrir um espaço para o contraditório é ocupar esse espaço com uma metamorfose da propaganda oficial travestida de contraditório. A opinião de Maria de Lurdes Rodrigues, só para dar um exemplo, é em termos conceptuais a opinião do atual ministro da educação: são econometristas da educação e acreditam cegamente de que é possível melhorar a qualidade do serviço educativo sem contar com os professores. No fundo, fazem parte da mesma família política, a família de “partidos políticos do arco do poder” que nos conduziu ao ponto onde nos encontramos!

Com papas e bolos se enganam os tolos.

Ambivalência

O CCAP (conselho científico para a avaliação de professores) acaba de produzir três documentos: Recomendações N.º 2 – Princípios Orientadores sobre a Organização do Processo de Avaliação do Desempenho Docente); Recomendações N.º 3 – Princípios Orientadores para a Definição dos Padrões Relativos às Menções Qualitativas; Recomendações N.º 4 – Princípios Orientadores sobre o procedimento simplificado a adoptar na avaliação de docentes contratados.

Irei ler criticamente os documentos tendo presente que o CCAP é um órgão consultivo do Ministério da Educação, que tem por missão implantar e assegurar o acompanhamento e a monitorização do regime de avaliação de desempenho do pessoal docente.
Convém relembrar que “O CCAP é um órgão que foi criado para acompanhar o desenvolvimento do processo de avaliação do desempenho do pessoal docente e a aplicação do respectivo regime jurídico, identificando as boas práticas e contribuindo para encontrar soluções adequadas à melhoria da qualidade do sistema”. Além de acompanhar o processo de aplicação do processo de avaliação, o CCAP deve “produzir informação relevante para a inventariação das necessidades de formação do pessoal docente e a identificação dos factores que influenciam o desenvolvimento profissional docente; e deve “promover a divulgação do conhecimento científico sobre avaliação do desempenho do pessoal docente, designadamente sobre o desenvolvimento geral dos modelos e técnicas existentes nesta matéria, a nível nacional e internacional.

Ora, com este enquadramento legal, o CCAP não pode assumir um posicionamento neutral porque está funcionalmente comprometido com o modelo imposto pelo ME. Irá zelar para que tudo corra bem. Todavia, é requerido que o CCAP aponte outros caminhos, que faça emergir outros modelos, que, paradoxalmente, abra a cova para enterrar o nado-morto modelo de avaliação do desempenho docente.

É por este carácter ambivalente e por esta missão impossível, que o CCAP estará condenado a viver no fio da navalha… Até que a missão final seja cumprida!

Coragem ou esperteza saloia?

“6. A Área de Estudo Acompanhado deve ser assegurada pelo professor titular de turma, no caso do 1.º ciclo e, preferencialmente, pelos grupos de recrutamento de Língua Portuguesa e de Matemática, nos 2.º e 3.º ciclos.”

Quando se olha para este diploma pelo lado da prescrição, que é o lado da restrição da autonomia às escolas, é possível observar a falta de coragem do governo, e deste ME em particular, em assumir que as áreas acessórias do currículo (ACND) devem estar ao serviço de interesses políticos mais imediatistas, nomeadamente: a elevação instantânea dos resultados a duas das áreas disciplinares, que têm servido de barómetro à acção política na área da educação – o português e a matemática.

Sabendo que o governo usa e abusa da bandeira da determinação como sendo uma das suas imagens de marca, contra tudo e contra todos, a bem dos interesses da nação, por que razão não conduz até às últimas consequências o pseudo-arrojo e eleva a carga horária semanal destas disciplinas as vezes que forem necessárias para que o treino intensivo provoque os efeitos tão desejados?

Seria mais vantajoso para o sistema de ensino que o governo assumisse frontalmente esse seu desejo e actuasse em conformidade. Por um lado, discordando ou não da orientação superior, os professores e as escolas teriam de enfrentar um objectivo claro e não se dispersariam em actividades que, sendo importantes do ponto de vista pedagógico, buscam outras mudanças. Por outro lado, é necessário que a acção política seja consequente e verdadeira; concordando ou discordando, os professores e as escolas necessitam de recuperar a confiança nos processos que visam a mudança.

Como o horário semanal não é elástico, perguntar-me-ão, onde cortar?

Nas ACND, obviamente! E se se entender que é insuficiente, o horário dos alunos ainda tem margem para ser alargado. É evidente que o mercado das explicações iria reagir veementemente. E já estou já a visualizar o tom frenético do cardeal dos encarregados de educação a protestar contra mais um atentado à saúde mental dos educandos – o problema é que os alunos não podem chegar cansados à escola paralela. E não estou a pensar, ainda, na medida mais radical – a reorganização curricular.

E como atacar as temáticas: “b) Educação ambiental; c) Educação para o consumo; d) Educação para a sustentabilidade; e) Conhecimento do mundo do trabalho e das profissões e educação para o empreendedorismo; f) Educação para os direitos humanos; g) Educação para a igualdade de oportunidades; h) Educação para a solidariedade; i) Educação rodoviária; j) Educação para os media; k) Dimensão europeia da educação” (ponto 10)?

Esta conversa remeter-nos-ia para a escola cultural… e não temos tempo.

A mãe adoptiva dos conselhos municipais da educação…

A ministra da educação confessava, há dias, que “costuma aconselhar-se junto de antigos ministros da pasta, a quem costuma telefonar «muitas vezes» para ouvir as suas opiniões”.

Presumo que terá sido o Dr. Justino o último conselheiro ouvido pela ministra. Como bem me lembro, o Dr. Justino foi o pai dos conselhos municipais de educação, criados pelo Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro de 2003 (que regula as competências, a composição e o funcionamento dos conselhos municipais de educação, regulando, ainda, o processo de elaboração e aprovação da carta educativa e os seus efeitos) .
Creio que a actual ministra da educação pretende ser a mãe adoptiva do definhado documento. E o que hoje foi anunciado pelo secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, “que as autarquias podem assumir a gestão das suas escolas”, pode ser ter sido um passito mais adiante naquilo que foi a ambição do progenitor da descentralização de competências para as autarquias: a gestão das escolas pode ser, ou não (aguardemos para ver), a mão do autarca no interior das escolas. Pode ser uma mão que puxa as rédeas do poder situado. Como é evidente, os proletários da educação precisam, mais do que nunca, de controlo, de uma mão forte.

Espero estar profundamente equivocado. Como espero que a ilusão do controlo da acção situada seja isso mesmo: um erro de interpretação. Espero ainda que a ideia seja a de obrigar as autarquias a fazer o que deveria ter sido feito(ou se já foi feito não se notou): de coordenar e articular as políticas educativas com outras políticas sociais; de elaborar a carta educativa que gere a rede educativa municipal; de apoiar, no âmbito da acção social escolar, os projecto de inclusão das crianças com necessidades educativas especiais; de intervir na qualificação do parque escolar. Espero para ver!

Uma questão de flexibilidade…laboral

Da versão preliminar do relatório de análise dos resultados ao inquérito sobre as condições de exercício da actividade docente realizado pelo grupo parlamentar do BE destaco duas conclusões aparentemente irrefutáveis:

1. Os professores são explorados
Os docentes despendem, em média, 46 horas semanais no exercício da sua profissão (incluindo aulas, reuniões, actividades de direcção de turma, preparação de aulas na escola e em casa, correcção de provas, etc.). Cerca de 20% do tempo despendido no total de actividades de docência corresponde a trabalho realizado em casa.

2. Os professores são mal tratados
A avaliação das condições de trabalho ao nível das infra-estruturas existentes é muito negativa, não só em relação a espaços menos desadequados (como a Sala de Professores e a Biblioteca), mas sim quanto à generalidade dos espaços para realizar trabalho individual na escola.

Olhemos para este problema no quadro da revisão do código de trabalho e, sobretudo, na ideia de flexibilidade aplicada ao horário de trabalho. E se quisermos ir um pouco mais longe, pensemos na alteração do conteúdo ocupacional dos professores no sentido do incremento das funções de administração e gestão e função de extensão educativa (actividades de custódia), e na desvalorização das funções de docência e de investigação.
O que vemos?
Vemos o professor idealizado pelo professor João Freire e transfigurado no novo ECD [o PGuinote tem publicado alguns excertos desse famigerado estudo].

Desenganem-se meus caros colegas!
A adaptação à mudança que enforma a retórica oficial só tem um significado: se não estão bem com estas condições de trabalho, desamparem a loja: a bem do défice, claro.

Onde é que eu já vi isto? A despropósito, ou talvez não, evoco as declarações do bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, que comentava a deserção dos médicos do sector público para o sector privado:

“Pedro Nunes afirmou ainda que os hospitais públicos tornaram a sua cultura numa cultura de hospitais privados e que os profissionais de saúde agiram de acordo a oferta de melhores condições económicas.
«Quando resolveram que os hospitais públicos passavam a ter uma cultura de hospitais privados, começando a brincar à gestão dos hospitais públicos e retirando aquilo que apegava os profissionais ao hospital público que eram as suas carreiras».
O bastonário disse ainda que desta forma se colocou a «ênfase unicamente na produtividade» e que evidentemente «os próprios profissionais reagiram a essa mudança cultural e tenderam naturalmente a ir para onde lhes davam melhores condições económicas». (TSF)

Há que continuar a assobiar para o ar e fingir que não é nada connosco…

Estados Unidos, Malta e Portugal são os três países de um conjunto de 41 analisados por um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) onde as crianças com onze anos revelam maior excesso de peso.

Não vislumbro qualquer intenção do governo em atender às recomendações do Parlamento Europeu. De que me espanto? Afinal, as estatísticas da obesidade não concorrem para o ranking do PISA e as políticas balcanizadas deste governo remetem os problemas de saúde pública para o Ministério da Saúde.
E as recomendações são tão claras que bastava um pouco de vontade política para atacar o problema pelo lado da profilaxia: Como afirma o relator, “Não é tanto o aumento da dose de calorias que provoca o excesso de peso, mas a inactividade física: as crianças não comem mais, mexem-se menos”

Oportunidade perdida ou uma oportunidade de reestruturação?

Um olhar mais atento ao modo como decorre o processo de constituição do conselho geral transitório, leva-me a constatar que o significado do conceito de colaboração entre professores não é amplamente compreendido. No actual contexto em que evoluem as políticas educativas neoliberais e a competição entre pares é estimulada por via da avaliação normativa [com o propósito de ordenar os professores numa espécie de hierarquia de competência], a colaboração assume formas muito diferentes mas que, malogradamente, não se têm repercutido no reforço da autonomia e no fortalecimento dos professores como classe profissional. A meu ver, a colaboração dos professores só pode ser considerada positiva se suscitar benefícios ao nível da sua autonomia profissional e estimular a prática reflexiva.

Tenho percebido que as diversas manifestações de colaboração que emergem da constituição de listas para o conselho geral transitório visam prolongar um modus vivendi instalado, mais dirigidas para as questões micropolíticas e menos orientadas para as grandes questões da profissionalidade, nomeadamente, a luta colectiva contra a imposição de modelos de controlo burocrático do trabalho docente e contra as reformas que desqualificam a função docente.
O desafio da reestruturação da confiança [nas pessoas e nos processos] passa, necessariamente, pela capacidade de escutar vozes díspares de professores, passa pelo respeito do poder de discrição dos professores e pelo fortalecimento da sua capacidade de tomada de decisões.

Saibamos ouvir porque o pior cego é aquele que não quer ouvir!

A fuga para o abismo.

Alguns docentes pró conselho geral transitório, inscritos ou não em directório partidário, ignorando ou não a importância da luta política situada, usam os seguintes argumentos para justificar (a fuga para o abismo (?)) o alinhamento nas listas para o dito órgão:

1. A constituição de um conselho geral transitório é inevitável;
2. A escola necessita de tempo para proceder às alterações no regulamento interno.

Considero que estes argumentos servem de pretexto para disfarçar motivações mais… enviesadas.

1. A constituição de um conselho geral transitório é inevitável?
Se é incontestável a legitimidade do governo legislar, o produto do acto legislativo é sempre susceptível de ser contestado. Uma lei existe para ser revogada, digo eu. E não estou a pensar apenas nas leis injustas e estúpidas. Olhar para a lei constituída como algo de imutável, apesar do reconhecimento da sua iniquidade, é uma atitude conformista e acrítica que importa combater.
Alguém acredita que o ME se demitirá de encontrar uma solução administrativa para colmatar a ausência de candidatos ao conselho geral extraordinário? Não me parece. É certo que o modelo definhará por ser insustentável, por reeditar um modelo organizativo caduco. Mas o modelo não definhará antes de ser imposto. Estamos habituados à teimosia deste governo para anteciparmos a imposição de uma solução radical: se não querem eleger o conselho geral transitório, nós nomeá-lo-emos!
A prorrogação do mandato dos membros docentes da Assembleia de Escola é uma das soluções a considerar.

2. A escola necessita de tempo para alterar o regulamento interno?
Andy Hargreaves considera que o tempo não é apenas um constrangimento objectivo e opressivo: é também um horizonte, subjectivamente definido, de possibilidade e de limitação. O mesmo autor alerta para o facto de o tempo ser uma variável objectiva, uma condição instrumental e organizacional que pode ser manejada pelos gestores, por forma a promover a implementação de mudanças educativas cujo propósito e necessidade tenham sido determinados noutro contexto. A alteração do regulamento interno é o pretexto!

Insisto nesta ideia: este não é o tempo de perdermos uma oportunidade que seja para dizer NÃO à política educativa deste governo!

Os sindicatos que todos queremos dispensar.

As políticas educativas, como todas as políticas sociais, reflectem a dominância da Economia sobre outras formas de Cultura. Os estados, submetidos a pressões no sentido da redução das despesas com a educação, introduzem alterações mais ou menos profundas no próprio ensino, as quais afectam, inevitavelmente, o modo como é definido o trabalho dos professores. A proletarização do trabalho docente é a expressão de um modelo de desenvolvimento profissional anacrónico que valoriza uma formação mais utilitária e menos reflexiva e questionante. A precariedade do emprego e a degradação das condições de trabalho, a introdução da avaliação do desempenho para regular os métodos e os modelos utilizados pelos professores, são “inovações” que reflectem um modo de perceber o papel da educação e da escolas em geral e dos professores em particular: as escolas são enormes receptáculos de políticas nos quais são depositados os problemas irresolúveis da sociedade; os professores são os obreiros que preparam as gerações futuras para enfrentar esses problemas.

Num tempo em que a Economia parece instrumentalizar o Homem, num tempo em que a Economia deixou de estar ao serviço do homem, foi o homem inteiro que passou a estar ao serviço da Economia, como diria MF Patrício. Os sindicatos emergem neste tempo como uma almofada protectora da hostilização do trabalho humano. Há que trabalhar para os dispensarmos. Seria um sinal da humanização da economia. Mas não sejamos ingénuos. De que nos vale actuar nas consequências? Acham normal que pouca gente se atreva a fazer algo relativamente à economia, mas todos – os políticos, a comunicação social, o público em geral – queiram fazer algo na educação?

Roteiro para chegar a um compromisso.

No âmbito das mudanças normativas do sistema educativo, o ME procurou isolar um dos seus interlocutores legítimos – os sindicatos. Criou o conselho de escolas para amenizar eventuais protestos. 100 000 professores foram à rua obrigar o ME a parar! O ME percebeu que não podia continuar a legislar sem negociação, sem ouvir os representantes dos professores, e parou.

Os sindicatos, que entretanto se uniram numa plataforma sindical, entram para a negociação comprometidos com uma resolução aprovada na marcha da indignação. O modelo de avaliação do ME foi estancado, como desejaram os manifestantes. O ME, para não perder a face, afirma em público que o SEU modelo está em andamento, numa versão minimalista. Os professores sabem que os procedimentos ou os parâmetros de avaliação [como gosta de lhe chamar a ministra] já existiam no anterior modelo. A negociação do novo modelo fica em aberto e será remendado, anulado, reconstruído. Alguns movimentos de professores que emergiram na onda de contestação às políticas deste ME reclamam mais protagonismo. Querem ser chamados à negociação porque dizem que não se projectam nos interlocutores legítimos – os sindicatos. O acordo/entendimento dos sindicatos com o ME é contestado. Parece vislumbrar-se um novo movimento sindical sob o signo da defesa da escola pública. O espaço educativo continua plural.

Na 3ª feira está agendada uma acção de luta nas escolas. É o dia (de) D(ebate). Haverá uma pluralidade de olhares e a idiossincrasia é incontornável. Que todos saibam respeitar a vontade colectiva! Que vença a democracia!

O engodo…

Ninguém de bom senso, nem a equipa maravilha do ME, acreditará que a avaliação do desempenho docente é para levar a sério. É muito raro concordar com as ideias do director do Público, mas sou obrigado a aceitar a ideia da generalização do fingimento. Todos parecem fingir que a avaliação irá avaliar alguém. O circo mediático montado pelo ME e a farsa negocial da avaliação do desempenho servem apenas um objectivo: desviar a atenção da opinião pública e dos professores de outros grandes problemas que afligem as escolas. De forma ardilosa foi preparado um ataque à imagem e ao estatuto dos professores provocando uma reacção visceral e generalizada da classe. O engodo foi tão bem preparado que outras questões, igualmente importantes, acabaram na penumbra dos holofotes mediáticos: a alteração (mal amanhada) de paradigma no ensino secundário – de antecâmara do ensino superior, o ensino secundário está a transformar-se numa antecâmara fabril; (a promessa d)o alargamento da escolaridade obrigatória; o (evidente) empobrecimento dos climas escolares; a (anunciada) revisão do currículo do segundo ciclo.

Será que temos engenho e arte para alargar a frente de combate?

Contra-fogo táctico para as políticas educativas de terra queimada.

Esta espécie de “reforma educativa” imposta pelo governo foi construída sob alicerces minados. É uma reforma que ambiciona construir uma sociedade humana de liberdade, igualdade e fraternidade com “trabalhadores” do ensino. Uma sociedade de qualidade reclama professores de qualidade. Urge por isso revitalizar o estatuto social, profissional e remuneratório dos professores. Não é este o caminho que está a ser trilhado pelo governo. Não se trata, portanto, de uma reivindicação corporativista exigir que o governo contribua para recuperar a dignidade da função docente.
A intransigência do ME e do Governo relativamente a desqualificação da profissão docente deve suscitar uma acção forte e concertada dos professores. Há que persistir desenvolvendo formas de luta que não coloquem em causa a promoção da qualidade educativa. É este o enquadramento que devemos ter sempre presente na luta contra as políticas educativas deste ME/Governo que visam a proletarização do professor (a antítese do professor de qualidade).

O que quis significar com a afirmação de que seria necessário “fazer inundar a blogosfera com alternativas criadas para confundir o adversário”? Quis alertar os colegas para o perigo de extremarmos a acção, fazendo-a resvalar para o incumprimento da deontologia e da ética. A contra-informação pode ser um instrumento político interessante se for usado para desmascarar os adversários da educação de qualidade. A contra-informação não pode ser nunca confundida e não pode ser uma cartilha para professores incautos levando-os a descurar o imperativo categórico da qualidade da acção educativa.

A Idalina pergunta se concordo com “aquela da política incendiária da terra queimada”? Apesar de não ser capaz de descortinar muito bem o alcance da expressão, atrevo-me a admitir que essa política possa ser usada como “contra-fogo táctico” para impedir os cenários do desinvestimento e da inércia na educação portuguesa.

O que fazer(?), eis a questão.

Arrisco um vaticínio: o ME perdeu, definitivamente, o apoio da opinião pública se é que alguma vez teve a população do seu lado; os professores, os 100 000(?) acreditam que há um elevado consenso acerca da iniquidade de uma parte das políticas educativas, designadamente, das políticas que decorrem da operacionalização de dois diplomas – o novo ECD e o estatuto do aluno; a esmagadora maioria dos fazedores de opinião consagrados, habituados a remar com a maré, têm sido inflexíveis contra estas políticas que conotam de “facilitistas”.

O ME criou um ambiente hostil onde reina uma visão maniqueísta em que de um lado estão os bons que desejam mudar a ordem existente e do outro lado estão os maus que querem conservar as regalias e os privilégios. Facilmente se perceberá o lado onde estão os professores, na óptica do ME. Ora, a meu ver, a política do “dividir para reinar” foi um erro crasso porque transformou o jogo educativo, dito de outro modo, transformou as relações entre parceiros no jogo educativo num jogo de soma nula: a vitória das políticas impostas pelo ME implicará sempre uma derrota dos professores; ou um ganho dos professores só ocorrerá após uma perda no ME.

Chegados aqui, o que fazer?

Jogar o jogo. Os professores já perceberam que não podem passar ao lado do jogo. Têm de participar nele com inteligência e persistência. Há que definir a estratégia e as tácticas. Onde? Dentro do balneário – nas escolas, associações profissionais, sindicatos, tertúlias de activistas, etc. Abrir a porta do balneário ao adversário para lhe revelar as nossas intenções, os esquemas de acção, as acções tácticas, seria contraproducente. É evidente que as convocatórias anteriores e a discussão na blogosfera marcaram um período importantíssimo que serviu para mobilizar os indecisos e reunir os jogadores. Mas o jogo ainda mal começou e prevê-se que dure mais tempo do que seria desejável. Se a estratégia passar por inundar a blogosfera com alternativas criadas para confundir o adversário, ainda se percebe. Creio que seria uma excelente ideia usar a contra-informação. Só que há o risco de baralhar e confundir os colegas menos assíduos e contribuir para a desmobilização.

Será que estou a ver mal o problema?

Déjà vu

“O que é a Autoridade?
O que significa o Respeito?
Como se relacionam Professores, Alunos e Pais?
Dos tempos da palmatória às imagens do empurrão?
Quem manda hoje nas nossas escolas?
O que é ser Professor e ser Aluno?
O maior debate da televisão portuguesa reúne Professores, Alunos, Pais, Sociólogos e Psicólogos.
Crescer e aprender em harmonia.”

O formato do programa não permitirá tratar com a necessária profundidade as questões elencadas pela moderadora. No final do programa ficaremos ainda mais convencidos ao descobrir a verdade lapaliciana de que o mundo, a sociedade, a escola, os alunos, os professores, os pais, os conceitos, os valores, mudam no [e com o] tempo. É necessário perceber o sentido e os contextos da mudança e muito provavelmente ficaremos confusos quando associarmos os problemas aos paradoxos e às perversidades deste tempo [pós-moderno].
Atrevo-me a lançar uma proposta de resolução para os problemas deste mundo [educativo] em constante mudança: situar num discurso ético o trabalho das escolas e dos professores; discutir em debate alargado os princípios da igualdade, da excelência, da justiça, da parceria, do cuidado para com os outros.

Os «caça-fantasmas»*

Luís Freitas Lobo, claramente o melhor comentador português de futebol, considera que “mais do que problemas tácticos, Benfica e Sporting parecem viver numa casa assombrada durante 90 minutos.” O jornalista fala do mau momento desportivo das equipas de futebol destes dois clubes lisboetas e remete para o “lado mental do jogo” o busílis do problema. Nos momentos de tensão máxima a solução tem de estar no relvado. É neste contexto que o jornalista considera relevante o surgimento dos chamados jogadores «caça-fantasmas». Para determinar as causas e as soluções dos problemas, basta olhar para os rostos e corpos dos jogadores e ver os “fantasmas” que convivem com eles em campo.
Ora, parece-me possível estabelecer uma analogia entre os fantasmas do futebol e os fantasmas da educação. Antes de aclarar este esoterismo, parece-me evidente que é no terreno de jogo ou na escola situada que os «caça-fantasmas» terão de operar. Vale a pena olhar para os professores e procurar ver neles os “fantasmas” que assolam o sistema educativo.

E o que vemos no esforço e nas dúvidas estampadas no rosto dos professores?

  • No cansaço, vemos o fantasma da intensificação do trabalho docente.
  • No desânimo, vemos o fantasma da desautorização e o ataque à dignidade da função.
  • No abandono precoce, vemos o fantasma da falta de reconhecimento da especificidade da função docente ou a tentativa de homogeneização funcional do serviço público.
  • Na revolta, vemos o fantasma da mentira e da demagogia; vemos a subversão do educativo ao primado do administrativo.
  • Na esperança, vemos o fantasma do espartilhamento da carreira docente a definhar; vemos uma profissionalidade docente ser construída entre a racionalidade e a criatividade.

E o que fazem os caça-fantasmas? Fazem o que lhes pedem. E a melhor maneira de fazer bem o que lhes pedem é, muitas vezes, não fazer exactamente o que lhes pedem.
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* Título da crónica de Luís Freitas Lobo no Expresso de hoje.

As margens

Do rio que tudo arrasta se
diz que é violento
Mas ninguém diz violentas
as margens que o comprimem
Bertold Brecht
Esta Escola está esgotada. A escola pública de massas, inventada para o ensino colectivo, incorporando os pressupostos pedagógicos do ensino individual (de um mestre com o seu discípulo), edificou-se numa matriz pedagógica – a classe. Foi necessário criar um sistema de divisão e homogeneização dos alunos, de uniformização dos métodos de ensino e de controlo do trabalho docente. Com o aumento do número de alunos e a sua heterogeneidade, o prolongamento da escolaridade obrigatória, as crescentes expectativas quanto ao efeito da escolarização na obtenção de emprego, as estruturas da escola não estão preparadas para os novos públicos. Esta Escola dá mostras que já não tem sentido.

O episódio da Carolina Michaelis, como os milhares de episódios mais ou menos semelhantes que envolvem alunos e professores anónimos, são expressões de um desajustamento da organização escolar. Embora algumas das causas destas situações possam ser exteriores à própria escola, a classe/turma pode ser uma das causas directas.

Apesar dos esforços de minorias de professores que procuram ultrapassar as dificuldades colocadas pelo modelo uniforme, muitas vezes como medidas isoladas de sobrevivência; apesar de um conjunto de reformas que tentaram introduzir mudanças estruturais na organização pedagógica das escolas, nenhuma das respostas, locais ou globais, puseram em causa o princípio de ensino em classe.

Um outro olhar sobre a barbárie…

As imagens recolhidas no interior de uma sala de aula da Escola Secundária Carolina Michaelis foram amplamente divulgadas por diversos meios de comunicação social. Ouvi declarações esotéricas da pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, no noticiário da SIC, e do presidente do conselho de escolas Álvaro Almeida dos Santos, na RTP1, e tenho acompanhado as reacções na blogosfera.

O lamentável episódio foi dissecado e explicado sob diversos pontos de vista. Independentemente do ângulo de análise, o caso realça uma degradação do estatuto social do professor. Independentemente da proximidade da lente de análise [mais centrada no conflito concreto; ou mais focada na relação entre o Estado e os pais/comunidade], o professor surge como o elo mais fraco na relação dos alunos com o saber, ou na relação do Estado com os pais/comunidade. Este episódio permite-nos perceber, também, que no conjunto de interpretações sobre os fenómenos de ensino há uma tendência para desvalorizar o saber dos professores a favor de um determinado saber científico. Ontem foi a intervenção de uma pedopsiquiatra, hoje foi interpelado o presidente do conselho de escolas [o presidente do conselho de escolas decidiu assumir um papel de manga de alpaca… é o “saber científico de um burocrata”], outras vezes é a explicação de um sociólogo, e raras vezes a explicação de um professor.

Se por um lado estes episódios parecem retratar um sentimento generalizado de desconfiança em relação às competências e à qualidade do trabalho dos professores, alimentado por um conjunto de intelectuais e políticos que dispõem de um importante poder simbólico nas actuais culturas de informação, por outro lado encontramos sondagens de opinião que confirmam que o prestígio da profissional docente permanece intacto. Há, de facto, um entendimento consensual na sociedade de que o desenvolvimento exige um investimento na educação e que os professores são indispensáveis.

Há aqui um paradoxo que pode ser explicado pela existência de uma separação clara entre uma visão idealizada e uma visão concreta do ensino. António Nóvoa vê nesta falha o “epicentro da crise da profissão docente, que pode ser útil se a soubermos apreender na sua acepção original (krisis = decisão), assumindo-a com um espaço para tomar decisões sobre os percursos de futuro dos professores.”

Propostas sensatas e justas que foram recusadas pelo ME!

O que propôs a FENPROF para desbloquear a actual situação de crise?

1. Suspensão do processo de avaliação do desempenho, sem prejuízo para qualquer docente;
2. Não aplicação, no corrente ano escolar, de qualquer procedimento decorrente do novo diploma de gestão escolar;
3. Negociação de regras para elaboração dos horários dos docentes no próximo ano lectivo (consideração efectiva da formação contínua como integrada no horário laboral e consideração de um período mínimo de 9 horas semanais para a componente individual de trabalho);
4. Respeito pelas decisões e sentenças dos tribunais.

A FENPROF considerou, ainda, importante a reabertura, em 2009, de processos negociais de revisão do Estatuto da Carreira Docente, da direcção e gestão das escolas e do regime de Educação Especial.

A meu ver, a FENRPOF apresentou 4 propostas sensatas e justas que mereciam outro acolhimento do ME: Sensatas, porque não obrigariam o ME a um desprestigiante retrocesso da sua “orgia” reformadora e, simultaneamente, abririam a porta da negociação de outras matérias consideradas pelos professores de nucleares: a revisão do ECD, a direcção das escolas e o regime de Educação Especial; Justas, porque a sua aceitação seria um sinal de que o governo está interessado, de facto, em reabilitar a dignidade profissional dos docentes.

1. “Suspensão do processo…”
Só por manifesta teimosia se prossegue com um processo que está à partida condenado ao fracasso porque não permitirá alcançar o objectivo a que se propôs: avaliar o desempenho docente – a versão minimalista irá avaliar o acessório na medida em que serão valorizados alguns “aspectos observáveis”, uma parte da ponta do iceberg (a assiduidade e outras minudências). Ora, se a acção educativa não pode ser avaliada, por desajustamento do instrumento de avaliação ou por incapacidade do avaliador, para quê insistir em fazer de conta que se avalia?

2. “Não aplicação… diploma de gestão escolar”
Faz algum sentido importar elementos gestionários do diploma de gestão escolar sem revogar o seu precedente? Não se trata apenas de um problema de legalidade. Trata-se também pretender evitar o funcionamento caótico dos grupos e departamentos disciplinares.

3. “Negociação de regras para elaboração dos horários dos docentes”
O aumento do tempo de preparação e a inclusão do tempo de formação no horário laboral não são duas medidas de cosmética. São medidas que visam ajudar a desintensificar o ensino e a melhorar alguma da qualidade do serviço oferecido pelos professores.

4. “Respeito pelas decisões e sentenças dos tribunais”
Ainda vivemos num Estado de direito ou será que o “Estado de direito” é um mero chavão sem possibilidade de aplicação?!

Até onde queremos ir?

A avaliação do desempenho é a face visível, talvez mais mediatizada, de um mal-estar que impregna a profissão docente e que é traduzida numa expressão carregada de sentido: Os professores estão indignados! Há razões próximas e distantes de um sentimento que emerge das entranhas da profissionalidade. E quem ainda não entendeu este problema não estará em condições de participar na busca das soluções. Não se trata, portanto, de tapar o sol com a peneira, mudando os rostos do ME. Embora uma grande parte dos professores o clame [porque a ministra da educação e a sua equipa corporalizam, na perspectiva dos professores, a perversidade das políticas educativas], a mudança de um ministro e dos seus acólitos não atacará as causas do problema. Como afirmou e bem Mário Nogueira, não há decisão política que venha a ser tomada até ao dia da marcha que possa interromper esta manifestação de descontentamento. Apesar de entender o apelo da Teresa, ampliado por um conjunto de colegas na blogosfera docente, a marcha silenciosa seria uma excelente iniciativa política [porque incrementaria os dividendos políticos] mas seria um tampão à catarse colectiva, que é uma das dimensões motivacionais dos manifestantes. Conter o grito da revolta e adiá-lo até ao fim da manifestação poderá ser violento para aqueles que não tiveram uma oportunidade de subir ao cume de uma montanha para ouvir o seu eco; ou que não encontram qualquer sentido no bruar de um estádio de futebol.

A marcha da indignação, silenciosa ou ruidosa, pode ser uma oportunidade para afinar estratégias e reorientar a acção. É necessário começar já a preparar o dia seguinte.
Desafio os colegas a considerarem todos os cenários possíveis na pós-manifestação. Seria um desperdício se, durante uma parte das conversas que animarão esta intervenção cívica, não projectássemos a acção colectiva. Até onde queremos ir?

FNE e o toque de finados

“O Governo teve a preocupação de dispersar os sindicatos, que foram quem sempre mobilizou a luta dos docentes” e quem assumiu o papel de interlocutor do executivo. Se, no passado, após um período de contestação, havia acordos entre ministério e sindicatos, os sócios destes últimos aceitavam o acordado. Agora, quando são grupos de docentes a, espontaneamente, marcar vigílias e marchas, “será muito mais difícil travar este movimento, porque o Governo não tem interlocutores”. (Manuela Teixeira)

Manuela Teixeira (MT) está numa posição privilegiada para destacar o papel dos sindicatos, da FNE obviamente, na anuência das políticas educativas que relegaram os professores para o “lugar do morto” no triângulo político desenhado a partir dos seguintes vértices: os professores, o Estado e os pais/comunidades. MT tem razão quando refere que agora será muito mais difícil travar este movimento. Presumo que esta revelação de MT tem tanto de nostálgico como de dramático:

  • De nostálgico porque é uma tomada de consciência de que nada será com antes. Votada ao desprezo pelo actual executivo, a FNE é hoje uma noiva abandonada no dia do seu casamento. Sente-se duplamente traída: pelo governo, que a maltratou como uma igual entre as outras [forças sindicais]; pelos professores, que aderem em massa a formas de manifestação consideradas reaccionárias pelos sindicatos amigáveis.
  • De dramático porque perante a ausência de representatividade, de protagonismo e de espaço negocial, a FNE sabe que o terreno da luta e da contestação não é o seu. O drama da luta pela sobrevivência é hoje o drama da FNE. A única réstia de esperança é aguardar que um raio de luz ilumine o pensamento do primeiro-ministro. José Sócrates mais cedo ou mais tarde irá perceber que necessita de sindicatos amigos que amorteçam a contestação e legitimem as suas políticas de empobrecimento do estatuto social e económico dos professores. A FNE, se ainda existir, aguardará por esse momento celestial…

3 notas avulsas

Legitimação do movimento sindical

As recentes manifestações [espontâneas] de professores de contestação às políticas educativas e os vários movimentos que lutam pela defesa da escola pública acabaram por prestar um serviço relevante ao movimento sindical. Ninguém ousará duvidar que as reivindicações sindicais emergem de um descontentamento docente generalizado e que a base de apoio à contestação não é uma ficção construída por activistas e militantes do PCP, ao contrário do que insinuava o primeiro-ministro no dia da concentração espontânea no Largo do Rato.

Um movimento plural

O ME conseguiu um feito inédito: fez convergir associações sindicais e profissionais em torno de duas causas – a defesa da dignidade profissional e a defesa da escola pública. O renascimento da consciência associativa impulsionou uma pluralidade de formas de manifestação do descontentamento da classe que devem agora convergir para o mesmo alvo: a defesa de políticas educativas que valorizem a função docente e a exigência de uma mudança de atitude do ministério da educação face às associações representativas da classe, nomeadamente, os sindicatos e as diversas associações [e confederações] de professores.

“Pós-Lurdismo” e o nó górdio da política educativa

Neste primeiro dia do “pós-Lurdismo” [não confundir com o previsível prós lurdismo], é tempo de procurarmos o nó górdio da política educativa. A necessária e urgente revisão do Estatuto da Carreira Docente será apenas um ponto de passagem para a outra margem: a construção de uma Escola Pública mais preocupada com a equidade e com a coesão social.

Líderes heróicos, organizações fracas.

Não acredito em líderes heróicos nas organizações complexas, como é o caso da organização escolar. Prefiro um líder que se empenhe em induzir a liderança nos outros e nunca me revejo num líder que concentra em si o poder e o protagonismo da mudança. Nenhum sistema de controlo pode ser mais eficaz do que o comprometimento pessoal de cada um dos actores. Um líder que cultive a liderança nos outros sabe que a organização crescerá para além da sua presença ou da sua saída. Ora, não é este líder que é reclamado pelo ECD que nos foi imposto pelo ME. Não é este líder que é legitimado pelo diploma aprovado, ontem, em conselho de ministros. O ME procura líderes heróicos: Na figura do director e na figura do coordenador do departamento estarão representados os líderes mais competentes e com melhor estatuto remuneratório. Ao limitar a liderança escolar a apenas dois níveis de aplicação não é crível que emirja um envolvimento genuíno de todos, tanto mais que se apela a um sistema de partilha concorrencial assente num sistema de incentivos pouco claro e ambíguo.

Aos motivos que me levam a discordar do ECD imposto pelo ME, junto este: o tipo de liderança que o ME quer disseminar pelas escolas gera entropia e não cria as condições necessárias para o desenvolvimento individual e organizacional. E só não vê quem não quer ouvir!

Premiar o mérito ou premiar a superação das dificuldades?

A ministra da educação disse, no fórum da TSF, que a avaliação do desempenho docente tem como principal objectivo premiar o mérito. Para a ministra, a essência da avaliação é o reforço da função selectiva. Há que comparar os desempenhos dos docentes em relação a uma norma que foi definida externamente. Há que saber que lugar ocupa o professor no grupo de docentes. Foi esta lógica que prevaleceu no primeiro concurso de professores titulares e será agora generalizada com o modelo de avaliação de desempenho em curso. Como foi apurado o mérito dos titulares? Reduzindo o conceito de mérito a um conjunto de experiências ligadas à vida nas escolas. Não existiu aí nenhum indicador de excelência, o que prova a iniquidade do processo. Adiante…

A função exclusiva da avaliação não permite aferir a regularidade do esforço, a motivação do docente e a evolução do processo de superação das dificuldades. A função formativa da avaliação é relegada para um plano residual.
Paradoxalmente, esta ideologia meritocrática da ministra é defendida apenas para o desempenho do trabalho docente. Ela é proibitiva [e bem] quando está em jogo a avaliação do desempenho do trabalho dos alunos; é ignorada [e mal] no desempenho de responsáveis por cargos dirigentes nas estruturas intermédias e superiores do sistema escolar.

A defesa da avaliação formativa do desempenho docente tem sido muito débil. Por pudor, os professores aceitam tacitamente a tese meritocrática. Recusar a meritocracia poderia ser entendido como o reconhecimento de improficiência. A defesa de um sistema de avaliação eminentemente inclusivo e formativo poderia ser entendido como um sinal de fraqueza e a confirmação de que “quem deve teme”. No palco mediático onde se joga a demagogia, o professor foi obrigado a aceitar como uma fatalidade a avaliação normativa. Não foi capaz de rebater uma retórica oficial que explorou as fraquezas de uma classe dividida e fragilizada face à degradação das condições de trabalho e à fraca auto-estima.

É preciso recuperar os argumentos que coloquem a avaliação formativa no centro do debate. É preciso desmitificar a meritocracia e os discursos de performance.

A educação nas gavetas “valterianas”…

O Governo vai alargar ao segundo ciclo o conceito de «escola a tempo inteiro» que introduziu na antiga primária, reorganizando o horário e o currículo, nomeadamente através da concentração de disciplinas, disse a ministra da Educação em entrevista à agência Lusa.
Maria de Lurdes Rodrigues explicou que o modelo será muito semelhante ao do primeiro ciclo, sendo remetidas para «o final do dia» as actividades de enriquecimento curricular ligadas às expressões e ao estudo acompanhado, de forma a «concentrar na parte lectiva o essencial das actividades associadas à aquisição de competências básicas».

A decisão anunciada pela ministra da educação de reordenamento do elenco curricular no 2º ciclo irá remeter as disciplinas de 2ª ordem (na perspectiva de quem remete, obviamente) para o final do dia. Esta decisão política de escalonamento das disciplinas que compõem o currículo parece resultar de uma racionalidade técnica que revela a tendência para reduzir e encurtar a parte obrigatória do horário escolar, obviamente à custa da diminuição de horas das disciplinas consideradas menos nobres, como será o caso da Educação Física.

Esta decisão política necessita de ser devidamente explicada à luz de argumentos pedagógicos. No interesse da sociedade e dos alunos, o ME tem de esclarecer se estas medidas políticas encontram legitimação a partir daquilo que é pedagogicamente correcto e desejável e não a partir daquilo que é economicamente conveniente.

Não deixa de ser estranho que esta tomada de decisão (espero que não passe de um equívoco plano de intenções) – a redução do número de horas a atribuir à disciplina de Educação Física e ao Desporto Escolar – ignore as recomendações do Parlamento Europeu que “Exorta os Estados-Membros a modernizar e melhorar as suas políticas em matéria de educação física, principalmente para que haja um equilíbrio entre as actividades físicas e intelectuais durante o período escolar (…) e convida os Estados Membros a apoiar a exigência de aumentar o tempo lectivo consagrado à educação física (…)”.

Não deixa de ser preocupante que as medidas de reordenamento curricular sejam equívocas quanto ao direito inalienável das crianças e jovens a uma educação integral. Seria uma lástima que através de um conceito enviesado de educação, o ME viesse a escamotear a relevância do domínio motor e corporal na escola.

Desejo sinceramente que o RELATÓRIO sobre o papel do desporto na educação não se encontre perdido numa sinistra gaveta “valteriana”.

Sucesso da treta…

Da escola situada é possível perceber que a obsessão do ME em prosseguir com as mudanças normativas sem avaliar devidamente os contextos de aplicação terá uma consequência óbvia: A melhoria das aprendizagens e dos resultados escolares dos alunos vai passar, inevitavelmente, para segundo plano, uma vez que o tempo disponível dos coordenadores de departamento curricular, do presidente do Conselho Executivo e dos professores vai ser usado para a concepção e desenvolvimento do processo de avaliação de desempenho e para a iminente alteração da gestão escolar.
No meio deste “Tsunami” regulamentador não é fácil encontrar disposição e discernimento para reflectir e descodificar as velhas receitas para combater o insucesso e o abandono escolares. Refiro-me, uma vez mais, aos cursos de nível, aos cursos de educação formação. Estes cursos são uma espécie de tábua de salvação [escolar] para os jovens que já abandonaram ou que estão em risco de abandono escolar antes da conclusão da escolaridade de 12 anos. Atendendo às características dos destinatários, será que basta à escola acenar com uma certificação profissional para fixar estes alunos até ao fim da escolaridade? Até onde pode e deve ir a escola para conciliar os elevados níveis de exigência, que devem estar presentes em qualquer acção educativa, com as dúbias expectativas de resiliência? Não serão desmedidos os níveis de confiança na capacidade da escola em atacar as variáveis exógenas que determinam os abandonos escolares? Qual o preço a pagar pela escola pelo sucesso escolar traduzido em baixos níveis de abandono? Quantos problemas de indisciplina, mais ou menos graves, terão de ser camuflados para não manchar o sucesso estatístico?

Os dados que o ME devia anunciar!

Do Relatório da OCDE de 2006 (agradeço à Soledade que me fez chegar este documento) destaco três notas:
1. Apesar do se verificar um reforço do investimento na educação em relação ao PIB (1995 e 2003) (convém relembrar que houve necessidade de alargar a rede escolar e generalizar o acesso à educação), o investimento da educação em relação ao PIB é inferior à média dos países da OCDE e Portugal ocupa o 19º lugar em 31 países;

2. O ME, coadjuvado por uma comunicação social preguiçosa, mitificou a ideia de que os professores portugueses passam pouco tempo na escola e que usufruem salários de privilégio quando comparados com os seus congéneres estrangeiros. Foi uma ideia falaciosa usada para legitimar a alteração ao ECD e as medidas conducentes à intensificação do trabalho docente;

3. Mais grave ainda, a média dos salários portugueses nesses países referidos está no 29º lugar. Há muita gente a viver no limar da pobreza.
(“Clicar” para ampliar a imagem)

A “retórica inclusivista”

Os preâmbulos dos normativos geram, em regra, elevado consenso. A retórica oficial é capaz de metamorfosear as boas e más medidas legislativas bastando piscar o olho à investigação. A decisão política ancorada na ciência parece ganhar outra legitimidade. Um argumento político quando fundado no discurso científico empresta ao decisor uma auréola de autoridade mas esconde, não raras vezes, ausência de diálogo, intolerância, falta de visão estratégica, atributos proibitivos quando se trata de um ministro.

Fui assaltado por esta elevada cogitação [ ;0)] enquanto lia o preâmbulo do substituto do DL 319/91, o DL 3/2008. Escola inclusiva para a frente e para trás, igualdade e equidade, individualização e personalização das estratégias educativas, a retórica do costume. Enfim, ainda pensei que seria desta que as escolas encontrariam um enquadramento legal que lhes permitisse oferecer actividades diferenciadas, avaliadas na escola situada, para todos os alunos. Pensei mal. “Os apoios especializados visam responder às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação, num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente […]” Limitações de carácter permanente que são avaliadas tendo por referência a Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde.

Não querendo entrar por atalhos que desconheço, noto que o carácter restritivo e selectivo do legislador abriga um critério biologista e pretere as dimensões sociais e afectivas da exclusão. Será que estou a ver mal?

Só um pensamento perverso encontrará razões economicistas para justificar a opção:

Entre os alunos com deficiências e incapacidades alguns necessitam de acções positivas que exigem diferentes graus de intensidade e de especialização. À medida que aumenta a necessidade de uma maior especialização do apoio personalizado, decresce o número de crianças e jovens que dele necessitam, do que decorre que apenas uma reduzida percentagem necessita de apoios personalizados altamente especializados.”

Pois…

O debate público e a mordaça II

Como defendi aqui, quem adere ao debate fá-lo por duas razões fundamentais:

  • Por um lado, procura aprofundar o seu conhecimento sobre a realidade educativa porque a sua ideia de profissionalidade não se circunscreve ao saber técnico relacionado com a sua disciplina;
  • Por outro lado, quer agir politicamente, isto é, quer influenciar o curso dos acontecimentos mais imediatos ou não [imediatos – ao “forçar” a alteração deste documento particular; de médio e longo prazo – ao enquadrar esta discussão numa estratégia global que procura “forçar” a implementação da SUA ideia de escola].

É no domínio político, portanto, que se revelam modos e formas alternativas de actuar. Não se trata de ser mais ou menos conservador, mais ou menos progressista, nos caminhos a seguir. Não é uma visão determinista porque cada um dos actores pode reposicionar-se politicamente em função das características do banho cultural em que está imerso. É uma visão realista que faz do actor o dono da sua circunstância.

Voltemos à meta discussão sobre a proposta do governo do regime jurídico… de gestão escolar. Defendi atrás que este é o tempo da sindicalização. Não terei sido suficiente convincente nos argumentos para influenciar quem quer que seja. Como político tenho os dias contados… 😉 Como sou persistente, vou acrescentar um novo argumento com a esperança de que serei capaz de arregimentar pelo menos uma pessoa ;))

É consensual que as políticas educativas em Portugal, e nos países em que os nossos governantes se inspiram para copiar as fórmulas, proletarizam a função docente. O professor profissional intelectual, homem-de-pensamento, homem de cultura – no sentido mais amplo do termo, deu lugar ao funcionário público, ao técnico da educação. Apesar da resistência de uns quantos que por aqui andamos, o caminho da funcionalização parece ser irreversível. Pergunto se neste contexto, num tempo em que somos tratados como meros operários do ensino, pergunto se as fórmulas de combate e de defesa dos interesses desses mesmos operários devem ser atomizadas ou colectivistas?

Se a resposta for a acção individualista, então não contem comigo e cada um que se dane à procura da SUA solução.
Se a resposta for a acção organizada, o movimento sindical é o mais adequado para responder aos desafios desse passado cada vez mais presente, mesmo que desejemos estar à frente do nosso tempo.

Debate público é chão que não dá uvas…

O PGuinote desculpar-me-á o atrevimento de usar o seu pessoalíssimo guião de motivos que o lançaram no debate sobre a proposta do governo para a gestão escolar. Faço-o por preguiça [presumo que tal se deva a um passageiro – assim o espero – estado de letargia endémica] e por considerar que as suas perguntas servem para justificar uma presumível não adesão do professorado neste ou em qualquer outro debate público que seja lançado em terreno educativo.

Os meus colegas da blogosfera desculpar-me-ão a presunção de considerar possível generalizar e tipificar a atitude de um colectivo tão diverso e disfuncional como é a classe docente.

Porque [não] interessa este debate? O professor é um profissional de acção. Labora no terreno do fazer “a formação dos sujeitos” através do acto educativo. Cada vez mais entretido com a transmissão do saber e do saber-fazer constituídos, ao professor de hoje é cada vez menos exigido o saber integrador que articule os saberes científicos, práticos e técnicos. É cada vez menos requerido, no nosso sistema de ensino, um professor-homem-de-pensamento, como diria Manuel Ferreira Patrício. Só um professor insatisfeito com a função de mero técnico de ensino se predisporá a participar neste debate.

A quem [não] interessa este debate? Este debate interessa aos burocratas, aos professores de gabinete, aos sindicatos, aos gestores e profissionais da CONFAP, ao professor promotor e agente de cultura. O professor da turma, o professor que se preocupa apenas com a SUA sala de aula e com a SUA actividade estritamente curricular não tem tempo, nem vontade, para se lançar em “esoterismos”.

Como se deveria realizar idealmente este debate? Este debate [público] é dispensável quando observado pela lente pragmatista, utilitarista. Um professor que manifeste a sua dimensão política no debate intra-muros, nas lutas pelo espaço disciplinar, só se lançará na acção [micro]política quando sentir que esse espaço periga. A realizar-se, este debate deveria ocupar os mais “dotados” e interessados para as questões da gestão.

Por que razão no universo acho eu que tenho algo a dizer sobre o assunto? Não tenho nada a dizer sobre o assunto e tenho motivos para detestar quem se ache capaz de dizer algo de interessante sobre o assunto.

Adenda: Abriu o debate sobre esta matéria no Aragem.

Força de bloqueio?

Se a tese do Paulo se confirmar, que estalou um clique na cabeça do Presidente da República que o terá feito abrir os olhos e ver o que a maioria dos professores viram em tempo útil, o que virá daí?
Ser a força de bloqueio às políticas do governo que ele próprio criticara como primeiro-ministro?
Ser mais incisivo nas declarações públicas isolando ainda mais o governo na concha parlamentar?
Admitamos que agora é que vai ser: que o Presidente vai pôr na linha o governo (ainda estou para perceber como é que ele o poderá fazer e que instrumentos vai usar) e fazê-lo respeitar a LBSE e a Constituição. Se o PSD e o PS estiverem de acordo (e não estão?) quanto à mudança de paradigma, submetendo o projecto educativo nacional a lógicas neoliberiais, o que poderá fazer o Presidente da República?
E já que estamos a colocar hipóteses, atendendo à qualidade e à experiência das assessorias do presidente não é plausível considerar que estas afirmações públicas do presidente farão parte de um cenário de aparente oposição ao governo, já que a oposição propriamente dita acabou por se deixar anular no espaço mediático, e esta velada oposição pode ser a forma encontrada para amortecer as ondas de choque da crescente contestação popular?