Reinvenção da equidade ou como descobrir a roda em 2012.

Funcionários públicos e reformados só perdem um subsídio.

Digam-me lá se o Gasparzinho não merecia levar com um gato morto na carola até ele miar…

Expliquem-me como se fosse muito burro: a medida era inconstitucional quando se tratava de dois subsídios; passou a ser uma medida constitucional só porque o governo decide apropriar-se de “apenas” um subsídio? Extraordinário!

Rabos-de-palha

Por alegadas razões ideológicas, como atestam estas declarações da ministra da agricultura no caso do pavilhão atlântico, estão a ser delapidados bens do Estado. A RTP, por proposta de um inenarrável conselheiro do governo, vai ser liquidada! Os responsáveis políticos pelos prejuízos da estação pública, que de forma criteriosa escolheram as administrações, vêm agora apontar uma solução esotérica.

Concessão da RTP é “muito atraente para potencial comprador”

Chegou o tempo de acabar com a inimputabilidade civil por decisões políticas danosas…

Mau! Se não acerta com a Matemática…

São decisões atrás de decisões sem qualquer sustentação científica ou pedagógica. Em nome de um racionalidade económica que o tempo se encarregará de fazer desacreditar, Nuno Crato tomou uma série de decisões cretinas, porque empobrecerão o serviço público de educação. Dou dois exemplos: a reorganização curricular conceptualmente errada, porque menospreza o desenvolvimento multilateral dos alunos;  e a gestão irracional de recursos, porque coloca em trânsito professores que são necessários às escolas e intensifica o trabalho daqueles que têm horas para completar horário.

Hoje, no blogue do Arlindo, encontrei dois pareceres de duas associações de matemática. Dão que pensar. Quem olha para as Metas de Aprendizagem como um instrumento de controlo e domesticação do trabalho dos professores, vê nestes dois pareceres um documento herético. Eu vejo uma evidência de como o cratês é uma falácia; é uma ideologia populista que assenta num falso critério de autoridade.

Pela análise apresentada, a SPIEM reitera a necessidade de o MEC retirar a proposta de metas curriculares em discussão. Note-se ainda que estão em fase de experimentação outras metas de aprendizagem sobre as quais não existe qualquer avaliação, pese embora a sua sintonia com o Programa de Matemática em vigor no ensino básico. Assim, a SPIEM recomenda que o Ministério da Educação e da Ciência, em vez de propor “novas” metas curriculares, canalize os seus esforços e investimentos para uma ação cientificamente sustentada e que permita que os alunos portugueses continuem a melhorar as suas aprendizagens matemáticas.

Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática

 

O Conselho Nacional da Associação de Professores de Matemática (APM) considera assim que, não tendo ainda terminado a generalização do atual programa de Matemática, introduzir um documento que lhe é antagónico vai ter consequências negativas para o normal funcionamento nas escolas, perturbando o trabalho que os professores vêm realizando e, naturalmente também as aprendizagens dos alunos e a sua relação com a Matemática.

Lisboa, 23 de julho de 2012

Conselho Nacional da APM

Necrófagos

Passos Coelho alerta para possibilidade de cortes na Saúde e na Educação

Não corro o risco de influenciar positiva ou negativamente a gentalha que persuade a governança a atacar a escola pública, porque este blogue é muito bem frequentado – perdoem-me a imodéstia.

Quando li a notícia, a primeira coisa que me ocorreu foi o artigo 79º do ECD, com tudo o que isso implica ao nível da intensificação do trabalho docente e a dispensabilidade de milhares de professores.

Partidarite

Só a partidarite acéfala justifica a complacência de alguns colegas com Passos Coelho e seus muchachos.

Dói assistir à terraplanagem de direitos sociais sob o pretexto da inevitabilidade das medidas de austeridade. Dói só de ouvir declarações hipócritas de agradecimento pelos sacrifícios, sabendo que fazem parte de uma coreografia típica de políticos neoliberais que se propõem, sobretudo, sugar o Estado, mas transferindo o ónus da culpa dos défices para os cidadãos incautos, que gastaram muito mais do que deviam… e podiam.

Haja paciência!

Por que não emigra?…

“o secretário de Estado reforçou a ideia, em declarações à Lusa: «as áreas sociais são áreas que devem ser o mais descentralizadas possível, no sentido de ficarem mais próximas das pessoas».

Paulo Júlio deu a escola onde hoje esteve como «bom exemplo» da descentralização face ao poder estatal. «Isso já é feito de algum modo neste nível de ensino básico, no primeiro ciclo, mas de forma crescente deve ser reflectida e continuada para outros níveis», disse.

Se esta afirmação não camuflasse a verdadeira intenção de esvaziar o Estado das funções sociais, privatizando-as, até poderia ser considerada uma afirmação ridícula. Então, ajuntam escolas, centralizam a gestão, afastam (fecham) as escolas das pessoas quando consideram que há número insuficiente de alunos (numa lógica de pretensa racionalidade económica) e depois, sem qualquer pejo, difundem que a educação é uma área que deve ser o mais descentralizada possível!?

Estou a precisar de um xanax tinto do Alentejo…

CONCLUÍDA SEGUNDA FASE DO PROCESSO DE AGREGAÇÃO DE ESCOLAS

Às 115 novas unidades orgânicas definidas na primeira fase, juntam-se agora mais 37, sendo 35 novas agregações e duas novas unidades orgânicas resultantes de uma desagregação.

Aguardo que o MEC atualize o ficheiro anexo. O ficheiro que está disponível no site é relativo à primeira fase do processo de agregações.

Se está curios@ fique atent@ .

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 Adenda: 1ª e 2ª fase do processo de agregação aqui.

Chico-espertice

Findo o período de discussão sobre a revisão da estrutura curricular dos ensinos básico e secundário, o ME apresentou em Março do corrente ano as matrizes com a distribuição das cargas letivas semanais por disciplina em períodos de 45 minutos. clip_image002

Antecipando a apresentação do diploma completo que aguarda publicação, o MEC reformula as matrizes com uma cândida cambiante: apresenta a carga horária mínima semanal por disciplina… em horas.

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O Nuno explica muito bem o que está verdadeiramente em jogo bem(?) camuflado pela retórica da autonomia:

150 ou 180 minutos?

150 corresponde a três tempos de 50 minutos.

180 corresponde a quatro tempos de 45 minutos. 

Com 150 minutos ganha-se um tempo nos horários!

250 ou 270 minutos?

250 corresponde a cinco tempos de 50 minutos.

270 corresponde a seis tempos de 45 minutos. 

Com 250 minutos ganha-se um tempo nos horários!

Aquilo a que o Nuno denominou de engenharia legislativa, na minha terra chama-se chico-espertice.

Morte à escola pública! Abram alas à privatização do ensino!

A ideia da criação de agrupamentos de escolas faz parte de um conjunto de políticas de direita (porque nenhum partido político de esquerda defenderia tal desacerto) que visam a degradação da qualidade do serviço público da educação para acelerar a privatização da educação. Não há melhor forma de criar um anátema sobre a escola pública do que empobrecer o serviço que ela presta à comunidade. Ora, prestando um serviço de fraca qualidade, a escola pública torna-se dispensável!

Há muito tempo que se sabe, e sabem os professores nas escolas situadas, que os agrupamentos de escolas criam grandes dificuldades de governança das suas lideranças (não obstante a existência de inúmeros mecanismos de controlo do trabalho docente e de frequentes medidas administrativas tendentes a promover o sucesso escolar artificial).

Há muito tempo que se percebeu que a criação de agrupamentos serviram (não exagero se disser que serviram em exclusivo) objetivos de discutível racionalidade económica, embora cuidadosamente camuflados por uma argumentação falaciosa de cariz pedagógico (quem não se lembra da retórica da articulação vertical e horizontal de projetos de escola?).

Porque existe uma agenda ideológica que quer emagrecer o Estado, ultrapassando pela direita a discussão sobre o que devem ser funções essenciais do Estado, o tamanho dos agrupamentos é relevante. Neste caso o tamanho conta na justa medida em que o nível de entropia aumenta com o tamanho da organização porque é acelerada a perceção de ineficácia do serviço prestado.

Abram alas à privatização do ensino!

Alunos e docentes a monte… e aos montes

Artigo 48º

Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino

 3 – Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.

(LEI DE BASES DO SISTEMA EDUCATIVO – Lei Nº 46/1986, de 14 de Outubro)

Lema que devia vincular todos os econometristas do MEC.

A pessoa é um número.

A educação faz parte de um conjunto de criações humanas que se aceita como algo de bom e que é conveniente para todos, até ao ponto de ser convertida num direito humano e universal e num dever de toda a população, que deverá usufruí-la em condições de igualdade e gratuitidade.

A educação é a saúde disputam, pelas mesmas razões, um espaço mítico no qual se encontram as representações de progresso. E é difícil de conceber a obrigatoriedade da educação, assim como o direito ao serviço nacional de saúde, sem se garantirem as condições de acesso.

Hoje, depois de passar pelo blogue do Arlindo, fui encaminhado para uma declaração de Manuela Ferreira Leite, em meados do mês de Outubro, em que a antiga ministra das Finanças pede ao Governo que sejam feitas reformas estruturais no sector público que acompanhem as medidas de austeridade, propondo que a saúde e a educação sejam temporariamente “pagas por todos aqueles que podem pagar”.

Esta afirmação daria pano para mangas. Da falácia do que é apresentado como temporário para se afirmar como definitivo, à perda de significado, de valor, e de expectativas, da escolarização, podíamos construir o quadro mental em que se desenham as correntes neoliberais que tiranizam as pessoas.

Educação e Negócio – Direitos antagónicos?

O meu amigo Henrique Santos aflorou aqui um tema que é muito sensível aos arautos da privatização da educação: a Educação/Direito versus Educação/Negócio. Aparentemente, a ideia do negócio n(d)a educação não é conflituante com a ideia do direito à educação e esse direito está garantido na LBSE, no seu artigo 2º, alínea c: É garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas. Se o negócio da educação é um direito, é dever do Estado garantir o respeito por todos os direitos, sem excepção. O que importa aclarar é se o direito ao negócio da educação pode impedir o “direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares” (#2 do artigo 2º da LBSE). Se esse conflito existir e se se verificar que o Estado é incapaz de monitorizar o comportamento das famílias e das próprias instituições que fornecem o serviço educativo, isto é, se as famílias escolhem não obedecer às regras da escolaridade obrigatória, por exemplo, ou se as instituições prestadoras do serviço educativo limitam o acesso determinados grupos sociais ou económicos apesar de receber financiamento público, cai por terra o mito da eficiência dos serviços privados da educação pelos recursos que pode implicar.

Parcerias da treta

Em primeiro lugar a boa notícia:

Hospital de Braga apanha maior multa de sempre

“O Estado decidiu multar em 2,8 milhões de euros o Hospital de Braga. É a maior sanção de sempre desde o início da parceria público-privada. As sucessivas coimas aplicadas por incumprimento do contrato de gestão já ultrapassam os 4,5 milhões de euros.”

Quem come a carne deve ficar com o osso.

E agora a má notícia:

“A multa resulta da soma de várias irregularidades detectadas no segundo trimestre de 2011. Essas falhas, noticiadas pelo JN no início de Setembro, dão agora origem a nove coimas num total de 2, 8 milhões de euros. Antes, o Hospital já tinha sido alvo de quatro multas no total de 1,7 milhões. Ainda nenhuma foi paga.”

Um imposto para os hipocinéticos, já!

O Bastonário da Ordem dos Médicos veio defender a criação de um imposto sobre a fast food. A obesidade custa muitos milhões de euros aos contribuintes e é um problema de saúde pública. Pressionado com as restrições orçamentais no Ministério da Saúde que respingam os médicos, o Bastonário avança com uma proposta de onde subjaz a lógica da relação utilizador pagador.

Mas se a ideia é taxar as causas da obesidade, podemos ir mais longe, e no limite, até poderíamos taxar os progenitores, mortos ou vivos.

A ideia do Bastonário é brilhante e subscrevo-a na íntegra mas na condição de ir um pouco mais longe. Um imposto que incida sobre uma das causas indirectas da obesidade, além de ser injusto, porque há gente saudável que consome ocasionalmente fast food, oculta outras causas significativas para o problema da obesidade. Estou a pensar nas práticas profissionais sedentárias.

Na linha do que defende o Bastonário da Ordem dos Médicos proponho, então, a criação de um imposto extraordinário para os médicos e para todas as outras profissões hipocinéticas.

A falácia da concorrência

Os bloggers pró-cratenses, Ramiro Marques e Reitor, num momento de rara exaltação, divulgaram um artigo de opinião do “criador da pólvora”, João Carlos Espada, no Jornal Público. O assunto é de capital urgência e virá revolucionar (as palavras são minhas) o estado da educação e designa-se, com maiúsculas e tudo: CONCORRÊNCIA.

O escriva neoliberal, socorrendo-se do recorrente exemplo nórdico, entende que a concorrência foi a chave do milagre sueco. Sem mais!

Percebo a opção ideológica do autor deste texto “inovador” e dos seus adeptos blogosEsféricos. Só não percebo é que insistam na sobrevalorização de um aspecto de apenas uma variável que influi nos resultados da educação. A competição, que pode ser situada no tipo de variáveis intrínsecas, mais concretamente, nas regras de organização do sistema educativo, não encontra evidência empírica que induza a tanto foguetório.

A concorrência na educação, como nas restantes valências da economia, vale o que vale. E vale pouco. Se o exemplo da concorrência no preço final dos combustíveis servir para esclarecer a situação, até me esqueço do rombo no orçamento familiar em nome da dita cuja.

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PS: Se leu o disparate do Espada, pode continuar a ler aqui, porque é uma espécie de contraditório:  http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2011/09/reescrever-historia.html

Cortes (na educação) a pretexto da crise…

Do blogue Ladrões de Bicicletas:

Cortar com uma mão para dar com a outra

(Postado por NUNO SERRA)

Uma boa pergunta, da Mariana Vieira da Silva, no Jugular: «Se as obrigações da escola pública no ensino básico vão diminuir, por que raio aumenta o valor [de 80 para 85 mil euros por turma] dos contratos de associação?».
É bom lembrar, de facto, que no memorando de entendimento com a troika, no compromisso de «reduzir os custos na área da educação, com o objectivo de poupar 195ME», também estava prevista a «redução e racionalização das transferências para escolas particulares com acordos de associação» [ponto 1.8 do capítulo da Política Orçamental para 2012].
E assinalar, paralelamente, que – no «histórico» plano de cortes da despesa pública – só as medidas relativas à «supressão de ofertas não essenciais do ensino básico», «revisão criteriosa de planos e projectos associados à promoção do sucesso escolar», «racionalização de recursos, nomeadamente quanto ao número de alunos por turma», «encerramento de escolas do 1º ciclo», «ajustamento dos critérios relativos à mobilidade docente» e «outras medidas» – todas elas dirigidas à escola pública – já perfazem um total de 309ME (ou seja, um acréscimo de quase 60% face ao valor inscrito no acordo com a troika).
Para a coligação PSD/PP, os cortes e os sacrifícios, quando nascem, não são de facto para todos.

Pergunta inconveniente (II)

CP encerra ligação Valença-Vigo a partir de domingo

(…) “A CP informa que, por não estarem reunidas as condições para a continuidade da exploração, a partir de 10 de julho de 2011 o serviço no trajeto Valença / Vigo / Valença será suprimido", referia um aviso público transmitido nas várias estações que integram o percurso em causa.
Em declarações à Lusa, a empresa apontava que “entre os motivos na origem desta decisão está uma racionalização de custos que a CP tem que fazer, face à conjuntura financeira atual". (…)

Agora a CP encerra a ligação, já se fecharam hospitais e escolas, amanhã encerrar-se-ão outros serviços. Não acham que está na altura de se encerrarem também os impostos?

Gato escondido com rabo de fora

Acabei por consegui o título original deste texto, que me foi enviado por um amigo, escrito por Licínio Lima para a Página da Educação. Se o tivesse de titular, parafraseava o autor: “o verdadeiro "eduquês" (é gato escondido com rabo de fora porque) provém, hoje, da economia e da gestão, universos que tomaram conta do debate educacional e da produção de políticas.”

O «anti-eduquês» como ideologia pedagógica

Não é fácil chegar à compreensão do que é o "eduquês". Trata-se de uma categoria discursiva atribuída a um antigo ministro da educação, para quem o termo designaria um certo tipo de linguagem esotérica sobre a educação. O termo foi, depois, adquirindo o sentido de discurso educacional de senso comum, de estilo palavroso e vazio, de resto acompanhando o uso idêntico de categorias como o "politiquês", ou o "economês". Se é isto o "eduquês", ele está de facto presente no discurso político e no discurso jornalístico, capazes de discorrerem sobre o "ensino pré-escolar", sobre as "qualificações ao longo da vida", sobre a "aquisição de competências para competir" ou sobre a "formação para a empregabilidade".

Mais recentemente, no único texto que se dedica a uma interpretação crítica mais sistemática do "eduquês", Nuno Crato (em O "Eduquês" em Discurso Directo, Lisboa, Gradiva, 2006) opõe, "de um lado", pessoas e ideias que considera terem um "papel dominante na política educativa" e, "do outro lado", uma "opinião pública difusa" que intuitivamente sabe que a situação crítica da educação portuguesa se deve, segundo ele, à acção dos "teóricos da pedagogia dita moderna". Uma tal tese seria muito estimulante, se fosse confirmada, o que não é o caso.

Ainda que no início do seu texto o autor seja cauteloso e evite generalizações, que aliás lhe retirariam credibilidade, a verdade é que ao longo do livro estes cuidados iniciais vão desaparecendo, do que resulta, com intenção ou sem ela, uma crítica generalizada ao pensamento educacional e à investigação portuguesa. Não que estes não devam ser objecto de crítica, mas não nestes termos. É como se para criticar uma corrente pedagógica, ou sociológica, ou um mau trabalho, se optasse por um ataque às respectivas disciplinas e comunidades.

No entanto, a metodologia adoptada pelo autor não autoriza tais críticas. Desde logo porque é duvidoso que existam apenas os dois "lados" referidos. Pela minha parte não hesitaria em criticar tanto o "eduquês" quanto o "anti-eduquês", que considero igualmente ideológicos e orientados mais para o convencimento do que para a compreensão crítica e a argumentação.

Em segundo lugar, Nuno Crato procede a um crítica algo insular, centrando-se mais em questões didácticas e de teoria da aprendizagem que, embora relevantes, tendem a desprezar as matérias de pensamento educacional e, especialmente, de políticas de educação. Por último, quase sempre se desprezam as críticas teóricas e empíricas sustentadas, produzidas no âmbito da investigação em educação, que do interior do campo mais cedo, e de forma mais contundente, se abateram sobre aspectos criticados pelo autor (por exemplo o pedagogismo). O problema é que as ciências sociais e humanas não são redutíveis a um "paradigma", o que significa que as maiores críticas a uma dada escola ou corrente provêm, quase sempre, do interior da respectiva área de saber. Não há, portanto, "uma" Pedagogia, e raramente existem apenas dois "lados" em educação, o que torna difícil a emergência de uma "ideologia pedagógica dominante" a partir de critérios académicos, ou de académicos com tamanha influência política. A fragmentação do campo e as controvérsias entre escolas são a situação normal, não o inverso. Era, portanto, necessário que fosse analisado o processo através do qual uma dada corrente se tornou politicamente dominante, a acreditar no autor, mas isso é o que ele não faz, até porque tende a naturalizar o sistema educativo e as escolas, despolitizando assim as próprias teorias que critica. Pode, por isso, integrar sob a designação de "eduquês", autores, obras e trechos claramente divergentes, não compreendendo as diferenças. Afirma, de resto, por mais do que uma vez, que é "difícil perceber" certos excertos que, cirurgicamente, seleccionou. É passível que alguns façam mesmo pouco sentido ou que sejam amplamente criticáveis. É porém plausível que o autor não domine sempre o código nem a cultura académica de certas áreas, do que há aliás muitos indícios (por exemplo a autoridade, por definição, não é possível de imposição, mas de consentimento, segundo a conceptualização weberiana). Surpreendente seria que o autor dominasse os conceitos das ciências sociais, não obstante o esforço de interpretação que, é justo reconhecer, revela no seu trabalho. Será, porém, suficiente? A invocação de Antonio Gramsci, então, daria motivos para grandes interrogações.

É bom que se compreenda que o "anti-eduquês" é, igualmente, uma ideologia pedagógica. As críticas produzidas são igualmente de senso comum, sem argumentação sólida em termos teóricos e empíricos. Reactualizam-se agendas políticas de há muito conhecidas noutros países e esquece-se que o verdadeiro "eduquês" provém, hoje, da economia e da gestão, universos que tomaram conta do debate educacional e da produção de políticas. A ideologia pedagógica que Nuno Crato legitimamente defende lê-se claramente nas entrelinhas do seu texto e não apenas nas últimas seis páginas que dedica àquilo que "se deve adoptar em educação". Talvez um ponto de partida para um novo trabalho seu sobre pedagogia normativa. E depois são os outros que são pedagogos.

Licínio Lima

(cortesia do Tozé)

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PS: Depois de uma busca menos apressada, encontrei o texto de Licínio Lima nos arquivos da Página da Educação)