Poesia aplicada…

perrenoudPerrenoud será sempre uma referência incontornável da nossa vida escolar, ou não fosse o autor um guru do nosso referencial externo no processo de autoavaliação. Percorrer os textos de Perrenoud e imaginar a escola situada é um exercício poético imperdível, digo eu que não tenho qualquer sensibilidade poética.

Um dos livrinhos do autor que é de leitura obrigatória para quem ousa promover a mudança, a reforma, ou, não sendo o caso de mudar porque se quer crer que está tudo bem, manter as práticas pedagógicas diferenciadas e ativas, data de 2002 na sua versão portuguesa. A capa desse “guia de boas práticas” (para quem o quiser adquirir encontra-o num canto esquecido de uma livraria com saída) ilustra este pequeno apontamento.

Diz o autor que “O sistema educativo é ingovernável sem a adesão de, pelo menos, uma parte dos professores e dos utentes, pais e alunos”; que “Nas sociedades desenvolvidas, os poderes organizadores e o establishment político começam a compreender que não vale a pena tentar “domar” os professores”; que “a ausência de negociação não bloqueia, portanto, constantemente, as decisões, mas acaba sempre por as esvaziar do seu sentido…”. Perrenoud quer enfatizar a necessidade de uma pilotagem negociada da mudança. E uma verdadeira instância de pilotagem de uma mudança na escola situada consiste em ultrapassar as clivagens e os regateios habituais, para adotar uma visão coletiva.

Percebem agora porque considero que imaginar as ideias de Perrenoud aplicadas à escola situada pode constituir um exercício poético imperdível e… hilariante?

Já agora: ampliem a imagem e leiam tudo, porque vale a pena!

Intermitência

Incapaz de me libertar desta deliciosa rotina, depois de lançar um breve olhar para os blogues dos confrades, sem deixar rasto, pé ante pé… ou melhor, clique ante clique, deixo apenas que um neurónio se dedique às coisas da educação durante uma visita supersónica aos blogues do Ramiro e do Paulo, sem nada escrever, sem nada acrescentar.
Será que busco os cheiros do antigamente como o fez Rubem Alves?
Ou será que busco, somente, os cheiros da minha circunstância?

Até breve!

Recobro

Para que o texto anterior faça algum sentido, direi que o conteúdo funcional do professor tem alguns apêndices embrutecedores. Depois de convocados para desempenhar essas malfadadas funções, aos professores impõe-se um período de recobro. No meu caso pessoal, um ou dois dias é período de tempo necessário para lavar a alma. Como? Regando-a com um maduro do Alentejo (ou Douro) [beemm… não é totalmente verdade], com os pés debaixo de uma mesa [esta é parcialmente verdade ;)], obrigatoriamente bem acompanhado [é verdade]. É evidente que a estupidificação vai deixando as suas marcas. Mas aprendi um pequeno truque na blogosfera para disfarçar a minha fúria primária: nunca escrever nos picos da insensatez. Reconheço que nem sempre é possível. Nem sempre tenho o discernimento de o evitar. Não se trata de evidenciar algum tipo de auréola até porque não sou aspirante a político de carreira. Trata-se apenas de uma gestão assertiva do fel.

O Oportunismo

“O oportunismo é, porventura, a mais poderosa de todas as tentações; quem reflectiu sobre um problema e lhe encontrou solução é levado a querer realizá-la, mesmo que para isso se tenha de afastar um pouco de mais rígidas regras de moral; e a gravidade do perigo é tanto maior quanto é certo que se não é movido por um lado inferior do espírito, mas quase sempre pelo amor das grandes ideias, pela generosidade, pelo desejo de um grupo humano mais culto e mais feliz. Por outra parte, é muito difícil lutar contra uma tendência que anda inerente ao homem, à sua pequenez, à sua fragilidade ante o universo e que rompe através dos raciocínios mais fortes e das almas mais bem apetrechadas: não damos ao futuro toda a extensão que ele realmente comporta, supomos que o progresso se detém amanhã e que é neste mesmo momento, embora transigindo, embora feridos de incoerência, que temos de lançar o grão à terra e de puxar o caule verde para que a planta se erga mais depressa.

Seria bom, no entanto, que pensássemos no reduzido valor que têm leis e reformas quando não respondem a uma necessidade íntima, quando não exprimem o que já andava, embora sob a forma de vago desejo, no espírito do povo; a criação do estado de alma aparece-nos assim como bem mais importante do que o articular dos decretos; e essa disposição não a consegue o oportunismo por mais elevadas e limpas que sejam as suas intenções: vincam-na e profundam-na os exemplos de resistência moral, a perfeita recusa de se render ao momento. Depois, tempo virá na Humanidade – para isso trabalham os melhores – em que só hão-de brilhar os puros valores morais, em que todos se voltarão para os que não quiseram vencer, para os que sempre estacaram ante o meio que lhes pareceu menos lícito; eis a hora dos grandes; para ela desejaríamos que se guardassem, isentos de qualquer mancha de tempo, os que mais admiramos pela sua inteligência, pela sua compreensão do que é ser homem, os que mais destinados estavam a não se apresentarem diminuídos aos olhos do futuro.
Agostinho da Silva, in ‘Textos e Ensaios Filosóficos’

Retiro

Devo uma explicação aos meus companheiros de viagem (para os novatos, para os bloggers com menos de 3 anos de estrada, a blogosfera é um caminho que se faz acompanhado, bem acompanhado de preferência ;)). Esta pausa mais prolongada do que é habitual decorre de uma estranha constatação: tomei consciência de que pouco há para dizer, há pouco para acrescentar…
É que nem a entrevista, surreal, da senhora ministra da educação foi suficientemente provocadora para me fazer abandonar deste retiro místico.
Mas, se há pouco para acrescentar por que carga de água estou aqui a encher chouriços? 😉

Até já!

Rufus Wainwright a solo na Casa das Artes – Famalicão

Adenda 1: Muito bom! Seria excelente se se fizesse acompanhar de músicos à sua altura. É que o trabalho de equipa potencia os talentos…

Adenda 2: “Partilha, cumplicidade, arrepios na espinha e comentários espirituosos – eis um pouco do que se pode esperar do muito que é um concerto de Rufus Wainwright. O canadiano regressa a Portugal para duas actuações a solo em Famalicão, a 28 e 29 de Junho.
Rufus tem andado entretido com aventuras como o tributo a Judy Garland, no espectáculo “Judy! Judy! Judy!” (que levou ao Carnegie Hall), e a ópera que a Metropolitan Opera de Nova Iorque lhe encomendou (já se conhece o título, “Prima Donna”). Pelo caminho, lançou “Release The Stars”, que surpreendeu e conquistou a crítica. Encarrilou pela mesma linha intimista e pessoal dos álbuns anteriores, mas já se deixou levar com maior veemência pela tendência épica que Rufus nunca escondeu. No universo “rufusiano”, a melancolia anda de braço dado com o bom humor (aviso a principiantes: o “flirt” com a audiência é constante). Respira-se romantismo, um certo tom de exuberância e, a momentos, até uma atmosfera de religiosidade. Pelo meio, há palavras simples para emoções fortes.”
S.Pe. (PUBLICO.PT)

Futebol, outròólhar (IV)… da axiologia

“A finalidade do desporto é a de ajudar a fazer o homem com pessoa única, singular, distinta. Ajudá-lo a medir-se como sujeito dentro da sua grandeza física, estética, moral e espiritual.
[…] É por tudo isto que enfatizo a necessidade de reafirmar o desporto como um projecto axiológico. São princípios e valores que perfazem o teor da sua missão. Fora deste horizonte não tem qualquer substância humanista e cultual e deixa de pertencer ao reino das coisas mais sublimes que o génio humano inventou.
[…] Onde brilha o dinheiro, empalidecem os ideais. Estes vêem-se arredados da polis desportiva por interesses, mandarins e mandaretes com uma altura e uma grandeza de vão de escada.” (Jorge Bento)

Futebol, outròólhar (III)… da antropologia

“Há dois momentos distintos quando se realiza uma partida de futebol na região habitada pelos Peoná. O primeiro, quando o jogo é realizado entre os índios da própria etnia e termina sempre em empate. O segundo é o confronto dos índios Peoná com outras etnias que termina sempre na vitória do visitante. Até o presente momento essas curiosidades indígenas parecem ingénuas do ponto de vista civilizacional moderno. Aqui parece que o futebol realmente não incorpora os valores da realidade, efectivando o dito popular de que “futebol não tem lógica”. Vamos a algumas análises que podem ser elucidativas ou conflituantes conforme o conhecimento da vida indígena, dentro do aspecto ludico-rilual.
Ao visitante dito “branco”‘, os Peoná são arredios e de pouca conversa. É necessário um tempo significativo para que eles aceitem o visitante em seu meio ambiente. A princípio, o visitante é hostilizado e serve como elemento para infindáveis gozações. A realização da partida de futebol é algo que liberta o visitante deste estado, é quando o mesmo é considerado pertencente à natureza, logo adquire a vida por assumir a ave ou bicho do qual o nomearam durante o período de gozação. Aqui informamos que este estado, adquirido pelo visitante ao assistir a uma partida de futebol, jamais lhe promove a qualquer igualdade, pois a condição da criação mitológica é mantida em todos os aspectos. Vale a pena esclarecer que a criação mitológica fez sair de dentro da grande cobra-barco, primeiros índios considerados superiores na região, depois os Maku e finalmente o branco. Esse fenómeno da criação mitológica bem evidenciado com a realização do jogo de futebol. Quando o Peoná conquista uma amizade, ele torna-se o mais vassalo de todos os seres habitantes da natureza. Além da dedicação e da amizade, eles têm sempre um pedido especial para fazer ao visitante traga uma bola joga. A presença da bola significa a continuação do jogo de futebol. Por sinal, vemos a bola como o único implemento copiado do jogo moderno.

O jogo de futebol e ritualizado há muito tempo na comunidade indígena dos índios Peoná, que habitam a região do alto Rio Negro. Este jogo trás, em si, características bem próprias de uma cultura rica no sentido lúdico, que luta pela manutenção dos seus costumes, usando o futebol para tanto. O futebol, para esses índios, além de ser uma maneira recreativa, está lotado de uma infinidade de leituras sociais das quais podemos compreender melhor seu modo de vida.
O índio Peoná, pertencente ao tronco dos Maku, considerados como vassalos das outras tribos e os mais selvagens da região, está contido no meio ambiente, pois mantém a mais estreita relação com o mundo selvagem. Para eles, a existência e a sobrevivência devem estar muito próximos ao reino animal e de valor fundamental ao meio ambiente em que vivem. Não é só valor quantificado, acima de tudo temos o valor incorporado na sua essência como ser vivo.
Nós, que somos pesquisadores da área de Educação Física, sentimo-nos honrados com a importância cultural que o desporto exerce para os índios Peoná. O desporto assume uma verdade histórica entre essa etnia, revelando não só o sentido da disputa, como também, aspectos culturais importantes para a sua identidade indígena.
Na nossa óptica, o jogo é a vida de um Maku, não termina, tem sempre continuidade. Há uma jogada da vida por fazer e esta tem uma roupagem social importante para garantir o sentido ritual das etnias. A competição marca um momento único para estreitar os laços de fraternidade entre as etnias envolvidas.
Assim como o Kuarup (ritual realizado pelos krenakoro, habitantes da região do Mato Grosso. Esse ritual assemelha-se ao jogo da estafeta, sendo realizado dentro da selva e com auxílio de um tronco muito pesado que serve de implemento recreativo), simbolizado no tronco sagrado que restaura seus ancestrais, o futebol entre os Peoná vivencia o momento mais importante de sua vida, que foi o início de tudo, a criação de todas as tribos. Ambas as manifestações são festas, por isso sagradas. Para o kuarup, a confraternização tem entido Olímpico. Para o Peoná, o jogo de futebol, é mais um acontecimento da natureza que merece uma comemoração especial. Estamos vivos! Renascemos na selva.” (pp. 264-266)

Jefferson Jurema e Rui Garcia (2002). Amazônia – Entre o esporte e a cultura. Editora Valer. Manaus.

Futebol, outròólhar (II)… da antropologia

“Os Peoná são os indígenas considerados os mais primitivos dos habitantes daquela região. Eles empregam várias características, como por exemplo: o seu modo de andar, quando estão na cidade, pois caminham como se estivessem dando passos dentro de uma selva íngreme. Essa é uma das qualidades que difere esses índios dos outros. Outro aspecto é o fato deles não serem afeitos com números, géneros e graus. O uso da roupa, mesmo estando numa comunidade que adopta esses costumes, constitui-se num grande problema para aquela etnia.
Aqui temos algumas das qualidades de um Peoná sendo desenhadas, copiadas ou até mesmo expressas no jogo de futebol. O jogo obedece a certas regras do futebol moderno, que são adaptadas à vida primitiva. O número de jogadores em campo é algo não relevante, pois jogam quantos elementos da comunidade estejam presentes no acontecimento. A idade e o sexo são variáveis desconsideradas. Num mesmo time, há um verdadeiro encontro de pessoas e de idades; são homens, mulheres, jovens, crianças e idosos, todos com mesma função: jogar o futebol.
O tempo de realização de uma partida é espectacular. o jogo começa, por exemplo, no meio da tarde e, por fim, pela noite. Fomos informados de partidas que duraram até doze horas para se conhecer um vencedor.
A bola pode ser qualquer representação daquela encontrada no futebol moderno. O importante é o acontecimento. As funções de ataque, defesa e posição em campo não obedecem a critério algum, sendo essa regra determinada pela vontade “bem natural” inerente ao Peoná. As substituições acontecem a qualquer momento do jogo e é comum ver-se entrar vários jogadores em campo e não sair ninguém da peleja.
O jogo assemelha-se a uma dança onde eles expressam grande alegria em estar realizando aquela actividade. A cada jogada, eles cantam, brincam, riem e dançam. O jogo tem muito mais sentido de festa do que de uma competição.
Ao mesmo tempo em que eles estão motivados a jogar, saem a correr para o mato, abandonando o jogo, e isto é motivo de alegria para os que ficam em campo. Depois eles voltam do mato, incorporados na figura de um bicho e entram na joga¬da como se nada tivesse acontecido. O que acontece quando o jogo termina? Após o jogo vem a celebração, bem comparada com aquela feita na conquista do tetracampeonato de futebol feita pelo seleccionado brasileiro. A festa, a sagração dos ídolos, a rememorização dos costumes, o encontro com irmãos Peoná, a farta ingestão de bebidas e muita dança.” (pp. 262-263)

Jefferson Jurema e Rui Garcia (2002). Amazônia – Entre o esporte e a cultura. Editora Valer. Manaus.

(Continua…)

Futebol, outròólhar… da antropologia

“A comunidade Santo Atanásio está distante 1.350 km de Manaus, estando mais próxima da cidade de Iauaretê. Lá é o reduto dos índios Peoná, uma vertente étnica dos Maku, que tem no futebol sua expressão lúdico-ritual.
O futebol e uma modalidade esportiva praticada pela maioria dos brasileiros. Os índios da região do alto Rio Negro não são excepção. No entanto, o jogo praticado entre determinadas culturas revela dados sociais importantes para uma observação apurada. O que dizer de um time de futebol sem número determinado de jogadores que, quando enfrenta um convidado de outra comunidade sempre perde a partida? O que dizer do time que, quando joga entre os membros da mesma comunidade, o resultado é literalmente uma igualdade?
Parece estranho que haja jogos de futebol com essas características, pois estamos acostumados a ver sempre um resultado numa disputa acirrada, mesmo que o jogo tenha aspectos somente recreativos ou de reunião de amigos para um encontro formal.
Numa primeira vista, o jogo de futebol dessa família indígena parece não ter nada da arte que vemos nos jogos da selecção brasileira ou mesmo da malícia encontrada nas peladas de fim-de-semana. Como os índios Peoná vivem na lógica da selva, atendendo suas imposições, acostumados a viver nas dificuldades naturais, tendo liberdade de acção e obedecendo literalmente a função mitológica que lhes cumprem, é comum brincarem sempre com objectivo de re-criar seu mundo. Para nós, a função do lúdico encontrada no jogo é algo muito além do que o simples ato mecânico de chutar uma bola ou festejar um gol.” (pp. 261-262)

Jefferson Jurema e Rui Garcia (2002). Amazônia – Entre o esporte e a cultura. Editora Valer. Manaus.

(Continua…)

Reescrita

Encanecendo

O tempo é fenomenológico. E como diferem os sentidos subjectivos do tempo.
E se juntarmos ao tempo um corpo fenomenológico? O que vemos? Um tempo corporal! Vemos um corpo vivido!
Através do corpo, ou seja, através dos modos de percepção do uso do próprio corpo, vamos tomando consciência de vários corpos: O meu corpo; o corpo que se evidencia aos outros; o corpo objecto de estudo; e o corpo da corporeidade. É deste corpo que me interesse falar: do corpo que me obriga a conhecer-me porque eu sou o meu corpo, como dizia algures um autor de referência num livro de referência.
Sinto que o meu tempo vivido é mais curto que o meu tempo contado. Paradoxalmente, sinto que a parábola da vida marcha, vertiginosamente, para uma fase descendente. É esta falta de homogeneidade no tempo vivido que me permite reescrever a história da vida sob diferentes matizes. Hoje é o tempo. Este continua a ser o meu tempo.

“Este é o tempo
da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura
Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam.”

Sophia de Mello Breyner,
Mar Morto (1962)

As novas catedrais

«Aos inimigos do palco desportivo, que continuam a tentar menorizá-lo intelectual, cultural e socialmente, diremos, como a poetisa Natália Correia, que face às “massificações, que assepticamente negam a vida, a massificação exaltante do futebol (…) põe em ebulição os sentimentos e as mentes” e tem “o mérito de desencadear as paixões que dão cor à alma. Ao menos os frenéticos do futebol dão tudo por uma causa. E são os homens sem causa que com o seu governo de máquinas calculadoras nos alienam o espírito”.
A esses e a todos que o aviltam continuaremos a repetir que o futebol e os seus estádios são símbolos de causas. Só os aleijados da alma é que não dão por isso.»

Jorge Bento

Manga-de-alpaca

Tenho de reconhecer que tenho ainda muito caminho para andar até me transformar num bom operário da educação. Pressinto que me querem impingir esse estatuto, por razões meramente economicistas, mas ainda [?] não estou preparado para o cumprir. Estarei desfasado deste tempo? Sinto que as funções acessórias que estão a ser relevadas no conteúdo funcional da profissão que escolhi não se coadunam com o investimento que fiz na profissão e muito menos com as minhas expectativas de educador.
Tenho de reconhecer que não me sinto nada confortável, mesmo nada confortável, a ouvir a leitura de uma norma [02], que deveria ser distribuída pelos professores em formato digital [só para evitar o desperdício de papel]; Não me sinto nada confortável a vigiar uma prova de exame onde apenas é requerida a presença física e um mutismo fiscalizador; Não me sinto nada confortável a preparar pautas de provas de exame, resmas de papel para cumprir um ritual administrativo oco de conteúdo…
É um pena não exigirem mais do meu trabalho do que o simples cumprimento de formalismos inócuos. Corro o risco de passar uma imagem de imodéstia ao denunciar um pretenso desperdício de capacidade. Mas quem não se sente não é filho de boa gente!
Manga-de-alpaca, Não muito obrigado!

Euromilhões

Artigo 63º.
Prémio de desempenho
1—O docente do quadro em efectividade de serviço docente tem direito a um prémio pecuniário de desempenho, a abonar numa única prestação, por cada duas avaliações de desempenho consecutivas com menção qualitativa igual ou superior a Muito bom, de montante a fixar por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da educação.
2—O prémio de desempenho a que se refere o número anterior é processado e pago numa única prestação no final do ano em que se verifique a aquisição deste direito.
3—A concessão do prémio é promovida oficiosamente pela respectiva escola ou agrupamento nos 30 dias após o termo do período de atribuição da avaliação.

O Blog Horários Escolares desvaloriza os “putativos benefícios das menções de Excelente e de Muito Bom” (via Ramiro Marques) analisado o artº 48 do ECD. Atendendo à forma justa e séria como o ME tem conduzido as negociações com os representantes de professores, é expectável que a regulamentação do Artigo 63º do ECD augure uma espécie de… Jackpot.

Já estou aqui que nem me aguento com tamanha ansiedade.

A fuga para o abismo II

“O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.”

Bertolt Brecht

O umbigo, a nossa mundividência e a acomodação.

“Acredita-se comumente que a carga obriga a escravidão. Indianos esmagados sob o peso da juta ou chineses arqueados sob o palanquim, vocês já transportaram alguma vez? Perdemos o porte.” (Michel Serres)

Menosprezei a capacidade de antecipação e de previsão dos promotores da Manifestação Regional na cidade do Porto. Protestei aqui pelo espaço encontrado para concretizar a iniciativa porque, de facto, a Praça D. João I seria sempre um espaço exíguo face aos motivos da contestação. Quis acreditar que os professores persistiriam na luta de forma genuína. Deixei-me alienar por um optimismo que era justificado pela retórica de resistência que escutei da boca de muitos professores e que, malogradamente, tem sido contradito pelas suas próprias práticas.

Os resquícios do Memorando de Entendimento entre o Ministério da Educação e a Plataforma Sindical dos Professores demonstram que bastou uma brecha no cerco imposto pelos professores ao ME para que emergisse a faceta paroquialista dos professores. É o regresso às questiúnculas da escola situada e à “vidinha” rotineira: o umbigo é, afinal, a nossa mundividência. A indignação metamorfoseou-se de acomodação. Que esta nobre capacidade de adaptação, que tanto nos pode levar ao céu como ao inferno da humanidade, não nos faça perder o porte.

Perverso exercício de solidariedade.

As contradições que se jogam na escola atravessam a todos os níveis as relações inter-pessoais. O fechamento pessoal, essa atitude de clausura e de rejeição à crítica e de reflexão sobre a prática, é o caldo onde se cozinham essas contradições.
Receio que a cultura de conivência com a incompetência e a falta de profissionalismo, o falso companheirismo que conduz ao silêncio, à protecção ou à defesa de comportamentos inadmissíveis, seja a porta de entrada da desprofissionalização docente.

Falemos claro: o que quis dizer o senhor presidente?

O que o presidente da república quis dizer à ministra da educação foi o seguinte: senhora ministra, veja lá o que se passa com o “seu” sistema escolar, olhe que eu tenho aqui na mão um estudo científico que me diz que há iliteracia histórica dos jovens portugueses.

É evidente que o presidente da república, se quisesse, podia agarrar numa resma de estudos científicos, a maioria dos quais esquecidos nas estantes das bibliotecas universitárias, e dizer à ministra da educação: senhora ministra, como vê, tenho aqui na mão uma resma de estudos científicos realizados nos ISCTE’s ou nas Católicas deste país, que provam que temos mais problemas que soluções. Veja lá o que se passa com o “seu” sistema escolar, olhe que eu tenho aqui na minha pasta um estudo que considera um problema de saúde pública a prevalência de pré-obesidade dos nossos jovens, e tenho aqui outro, espeeere um pouco… ah, já o encontrei…, hummm… este diz que há um problema com a iliteracia matemática, olhe os resultados do PISA… e tenho este da violência escolar… enfim, veja lá o que se passa no “seu” sistema escolar e trate de resolver os problemas antes que perca a elevada consideração que tenho por si.

A ministra da educação ouviu e prometeu que vai agir já, ou melhor, vai reagir já. Das medidas a anunciar, disse em surdina ao presidente, estão pensadas as seguintes: Reforço do número de horas semanais na disciplina de história em todos os ciclos, do básico ao secundário; Será elaborado um plano de emergência para o combate à histórico-exclusão e será criada uma comissão de acompanhamento que, por acaso, já tem um@ presidente; A disciplina de história será obrigatória no pré-escolar e @s educador@s terão de frequentar acções de formação para passar a incluir a história da democracia nos contos ditos em voz alta antes da sesta. Isto são as medidas que me ocorreram sem conversar com os meus acólit… com os meus secretários de estado, revelou a ministra enquanto deixava escapar um sorriso zombeteiro.

Representações…

Dois dias, uma agenda preenchidíssima, um breve passeio pela floresta. Podia ser este o roteiro da equipa da IGE que termina hoje a visita à minha escola.

Dos cinco domínios que, presumivelmente, estiveram em análise (1. Resultados; 2. Prestação do serviço educativo; 3. Organização e gestão escolar; 4. Liderança; 5. Capacidade de auto-regulação e melhoria da escola), será produzido um relatório que identificará os constrangimentos e as oportunidades, os pontos fortes e pontos fracos da instituição.

Uma avaliação externa com este formato, uma versão “relâmpago” de avaliação, será susceptível de confundir a árvore com a floresta? Não sei. Na pior das hipóteses dir-se-á que não reconhecemos a “nossa” escola observada pela lente do avaliador.