Revisão curricular – Grupos/Turmas de nível

A recente alteração curricular abre caminho, pelo menos na discussão blogoEsférica, à criação de turmas de nível.

O tema não é novo e a prática também não. A criação das turmas CEF’s não é mais nem menos do que uma forma de agrupar alunos com percursos escolares errantes. Constituídas por alunos com reconhecidas dificuldades de aprendizagem, as turmas CEF’s são turmas de nível. No ensino secundário, os cursos profissionais servem os mesmos propósitos: albergar os alunos que não encontram qualquer sentido nos cursos orientados para o prosseguimento de estudos. Claro que muitos destes alunos também não encontram qualquer sentido nos cursos profissionais, mas isso conduzir-nos-ia a outra conversa…

A criação de turmas não é um processo neutro sob o ponto de vista da classificação das aprendizagens. O modelo de escola pública instituído normalizou a diferenciação dos alunos agrupando-os vertical (anos de escolaridade) e horizontalmente (turmas). Se o modo vertical de agrupar alunos parece não suscitar grande controvérsia (a exceção é a criação de turmas de repetentes), o mesmo não se poderá dizer quando há diferenciação horizontal (no mesmo ano de escolaridade).

Admitamos que é possível seriar e agrupar alunos no mesmo ano de escolaridade em função das suas capacidades (cognitivas, psicomotoras, sociais,…). Omitamos as incongruências que advêm do facto de se pretender homogeneizar singularidades:

Como resolver o problema das diferenças de aptidão? Um aluno integrado numa turma «+» a Inglês pode integrar uma turma «–» a Matemática ou Educação Física?

Nesta matéria concordo com o Paulo Guinote: Há muito tempo que os grupos de nível estão oficializados. Até dentro da mesma turma! Sim, há muito tempo que os professores de Educação Física (agora vou afunilar só para não meter a foice em seara alheia) constituem grupos de nível. Há alunos que se encontram em determinada matéria num nível introdutório e noutras matérias do mesmo programa esses alunos encontram-se no nível avançado. Não existe qualquer obstáculo conceptual à criação de grupos de nível. O problema existe no domínio operacional.

Aplaudo sem reservas a criação de turmas de nível desde que sejam sustentadas por critérios de equidade e sem estigmatizar capacidades e inteligências humanas.

Revisão curricular – Exame de acesso ao jardim de infância, já!

Claro que só com exames se promove o rigor na avaliação. É evidente que sem exames não há dados fiáveis sobre a aprendizagem.

Estou como o José Pacheco:

Se eu mandasse, haveria exames logo no acesso à primeira classe. Os que não passassem ficariam no Jardim de infância. Sim, porque ninguém está livre – e ainda, para mais, as famílias numerosas – de lhe calhar na rifa um puto que (como dizem os especialistas especialmente especializados em educação especial) tenha dois ou três anos de atraso.

É lógico que compete às famílias impor critérios de seleção eficientes. Eu explico como se podem evitar situações de embaraço por altura do exame de acesso ao Jardim de infância. Quando estiver a chegar o dia de o catraio fazer três anitos, deverá fazer-se um exame de competências linguísticas. Imaginemos que o catraio ainda não fala na perfeição. Não terá direito à festinha dos três anos. Fará dois, pelo que as velas postas no bolinho não devem prestar-se a equívocos. Se chegar aos dois anos e ainda não conseguir andar pelo seu pé, não haverá segundo aniversário. Repetir-se-á o primeiro com velinha no bolo a condizer.

Revisão curricular – Uma proposta herética

Acompanhando a interpelação de José Soares: “que alternativa tem a Escola para combater a epidemia da obesidade e o aumento assustador da diabetes tipo 2 que não seja o exercício e a alimentação? Tratada a alimentação, o que propõem para o exercício? Presumo que alguns estejam a dizer que este é um aspecto secundário. Deixem-me dizer que segundo a Organização Mundial de Saúde estima que esta geração mais nova vai ser a primeira a ver os seus filhos morrerem antes deles. A esperança de vida vai, de forma estúpida, diminuir. Se a Escola não se preocupa, quem se deve preocupar?”

Não vou tão longe ao desejar que a Escola, pela via da Educação Física, proporcione 1h por dia de atividade física (sim, se não for assim, tirem lá a palavra “saúde” dos objetivos), nem pretendo reduzir os objetivos desta disciplina à temática da saúde. Apesar de não querer reduzir o alcance da disciplina à questão da saúde, sinto-me obrigado a questionar algumas vacas ideias sagradas que trespassam a “ideologia do rigor e da exigência”.

Correndo o risco de falhar a minha independência na abordagem à alteração inócua ao desenho curricular (e chamem-me lá corporativo por uma vez), há condições, sem tocar no máximo total de carga curricular, para darmos mais um passo em direção ao objetivo da 1 hora diária de atividade física.

Sendo a escola pública laica, por que razão é realizada a oferta unilateral (voluntária para os alunos mas obrigatória (?) para a escola) de uma confissão religiosa?

Acham mesmo que é uma heresia transferir 45 minutos por semana de EMR nos 2ºs e 3ºs ciclos para a EF, e 2x 45 minutos no secundário?

Reforço da Educação Física – Uma questão de equidade e de equilíbrio na oferta curricular.

A proposta do conselho de escolas que aponta para um reforço da disciplina de Educação Física é um exercício de lucidez!

1. Porque a amplitude, complexidade e profundidade dos conteúdos programáticos, que decorrem dos objetivos que foram estabelecidos e dos pressupostos materiais e pessoais condizentes, requerem um alargamento do horário semanal da disciplina de Educação Física que se deve aproximar de uma hora diária da prática desportiva. O contexto de vida aconselha a extensão da Educação Física escolar!

2. É verdade que a decisão político-administrativa de reajustar as cargas horárias das disciplinas escolares é difícil porque os ganhos de umas disciplinas revertem em prejuízo de outras. Se é um dado inquestionável que todas as disciplinas são importantes pela especificidade dos seus conteúdos, importa perceber se há ou não redundância na estimulação das múltiplas inteligências. Se há disciplinas em excesso face ao tempo disponível, terá de ser este o único critério a determinar a diminuição ou alargamento do tempo adstrito à cada disciplina escolar. Ora, sabendo que a Educação Física escolar é a única disciplina que visa preferencialmente a corporalidade, é difícil de perceber as razões pelas quais o sistema educativo maltrata o corpo e porque rejeita as oportunidades de educação e formação que o corpo proporciona.

Blasfémia, senhores…

Entre uma leva de aulas li a Recomendação sobre Educação para a Cidadania (Recomendação n.º 1/2012) do Conselho Nacional de Educação (CNE).  Após apreciação do projeto de Recomendação elaborado pelo Conselheiro Almerindo Janela Afonso, o CNE deliberou aprovar o referido projeto.

Divergindo dos propósitos do governo, o CNE recomenda a manutenção da disciplina de Formação Cívica (cf. Decreto -Lei n.º 50/2011 de 8 de abril) considerando que “deve ser assumida como uma dimensão fundamental no ensino secundário, em adequada articulação com os processos que visam os melhores níveis de sucesso académico dos alunos. No ensino básico, deve ser revalorizada a educação para a cidadania democrática no âmbito da Formação Cívica, resgatando-a do enclausuramento excessivo relativo à gestão quotidiana dos problemas que decorrem das funções da direção de turma.

Não me surpreendi com o teor das recomendações e, sobretudo, com a crítica explícita sobre “as expectativas sociais e oficiais em relação ao currículo (por) privilegiarem a transmissão de conhecimentos, num contexto de algum modo favorável à indução de uma crescente seletividade e remeritocratização académicas.”

Ficarei apenas surpreendido se Nuno Crato não vier a terreiro defender a “implosão” deste seu órgão consultivo… por heresia.

Só para tipos com boa inteligência existencial

“o mérito ou o demérito das áreas não curriculares não estava nelas mesmas, mas sim no que os professores faziam ou não faziam com elas. Infelizmente, em muito grande número de casos, não estavam a servir para nada, mas não se deve ignorar as “coisas” excelentes que alguns professores (muitos, ainda que não a maioria) faziam com elas, proporcionando aos seus alunos experiências muito marcantes na sua formação.” (IC, comentou aqui)

Percebo a afirmação da IC, concordo que o professor é um elemento chave de qualquer mudança substantiva no sistema educativo, mas discordo da tese relativa à benignidade das áreas não curriculares.

Há, de facto, um conjunto de professores que desenvolvem experiências significativas para os alunos. Há professores extraordinários, invulgares. Há o professor que não se limita ao curricular (heresia, senhor ministro da educação), que é muito mais do que um técnico, um professor transmissor do saber e do saber-fazer constituídos. Manuel Ferreira Patrício designaria este professor de “professor cultural”, o professor que convém à “escola cultural”.

Há professores de carne e osso que se aproximam deste padrão. Não direi que estão imunes a qualquer hecatombe pedagógica e profissional, mas lá vão resistindo e encontrando o alento nos seus processos de ensino e aprendizagem, dentro ou fora do bunker (sala de aula).

Um professor cultural pode muito mas não pode tudo. Não pode, por exemplo, transformar uma escola unidimensional numa escola pluridimensional. Não pode transformar uma escola reduzida à sua dimensão curricular numa escola integral, curricular, extracurricular e interativa.

Para não reescrever uma parte da história deste blogue, escrevo aqui e aqui o que penso sobre o assunto. E para que não se pense que o tema morreu, encontra aqui uma síntese escrita por Manuel Ferreira Patrício em Julho de 2011. O lugar do clube escolar é insubstituível no paradigma cultural de escola.

“Deve ser evidenciado o clube escolar. O clube escolar é o motor transformador da Escola unidimensional – a Escola das disciplinas e formações afins – em Escola pluridimensional. É o elemento estruturante principal da Escola de novo paradigma.
É o clube que verdadeiramente introduz na Escola a liberdade de escolha das aprendizagens e actividades formativas, abrindo espaço à dinâmica vocacional. É o clube que torna possível  a interacção. É o clube que pressiona a dimensão pedagógica lectiva, no sentido da adopção e prática de uma didáctica mais viva e activa, aberta ao gosto pelas matérias do currículo. De igual modo, é o clube que pressiona a dimensão extra- lectiva, pois o mais corrente é a iniciativa dos projectos nascer de um clube escolar. É o clube que propicia a organização dos grupos de aprendizagem e formação na base de afinidades electivas, pois um clube escolar é constituído com base na existência de gostos comuns. É o clube a mola que impulsiona dialecticamente a Escola para que nela emerja a dimensão holística/ecológica, facto que a experiência do Projecto Escola Cultural pôs inequivocamente à vista.
É o clube escolar que reconcilia as crianças e os jovens com a Escola.” (Manuel Ferreira Patrício)

As áreas não curriculares são metamorfoses da área escola e a área escola veio preencher o espaço do clube escolar.

Percebem agora a razão que me levou a enaltecer uma parte da proposta de alteração curricular do governo?

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Errata: Onde se lê “áreas não curriculares” deve ler-se “áreas curriculares não disciplinares”

Só para tipos com boa inteligência linguística ;o))

Era expectável que Nuno Crato, ministro, fosse capaz de justificar as opções políticas com o rigor que Nuno Crato, comentador, apregoou. Foi anunciada uma reorganização curricular e apresentada uma proposta pelo governo. O ministro justifica a alteração curricular alegando a necessidade de centrar aprendizagens nos conteúdos essenciais. Basta observar o quadro curricular e a distribuição da carga horária para se inferir a lógica que lhe subjaz: se considerarmos que o tempo adstrito a cada disciplina é uma demonstração do seu estatuto, o reforço da carga horária das disciplinas de Português e Matemática e a redução da carga horária das disciplinas de Educação Visual e de Educação Tecnológica são sinais inequívocos de uma ideia, a meu ver, preconceituosa de inteligência que urge combater. Mesmo que nos atrevêssemos a ordenar as inteligências que são estimuladas na escola, usando como critério uma característica subjectiva que lhes concedesse uma superioridade face às restantes inteligências, ficava por demonstrar que uma disciplina escolar tem o exclusivo do desenvolvimento de uma dada inteligência. E isto não invalida o facto de existirem disciplinas escolares cujos conteúdos constituem estimulantes especiais para determinadas inteligências. Ora, para quem tem como missão garantir o respeito do espírito da Lei de Bases do Sistema Educativo (que vê o aluno como um sujeito integral e multifacetado) impedir o acesso a determinadas disciplinas e conteúdos é uma iniquidade que importa desmistificar.

Se Nuno Crato pretende encontrar um critério para eliminar disciplinas redundantes, é a montante dos conteúdos que deve buscar esse critério. Não pode olhar para o conhecimento mais ou menos instantâneo que essas disciplinas produzem, mas antes deve pensar no tipo de inteligências que esses conteúdos estimulam.

Fui claro? Não?!

Só para tipos com boa inteligência lógico-matemática…

No 2º ciclo, as áreas não disciplinares ocupam 18% do tempo lectivo. Em comparação com outros países, Portugal “é o campeão da dispersão curricular”, frisou Nuno Crato.
As áreas não curriculares vão desaparecer das escolas a partir do próximo ano lectivo na sequência da nova estrutura curricular propostas pelo Ministério. O objectivo, repetiu Crato, é o de centrar aprendizagens nos conteúdos essenciais
.

Há muito que defendo a eliminação das áreas não curriculares, assim como defendi em tempos a eliminação da área escola. Estes abortos pedagógicos, que não se confundem com a atividade desenvolvida nos clubes escolares (devidamente regulamentados e de frequência facultativa), não têm qualquer cabimento na minha concepção de escola pluridimensional ou cultural.

Por razões bem diversas, concordei com o ministro da educação quando este decidiu remover do currículo as áreas não curriculares. Mas discordo de qualquer redução curricular que se faça desdenhando a teoria das múltiplas inteligências de Gardner. Quando o ministro considera que tem o objetivo de centrar aprendizagens nos conteúdos essenciais, refere-se aos conteúdos essenciais que estimulam uma determinada inteligência.

Fui claro?… Não?!…

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Errata: Onde se lê “áreas não curriculares” deve ler-se “áreas curriculares não disciplinares”

Currículo nacional falacioso…

O currículo nacional não deve ser, não pode ser, determinado por uma elite, ela própria subordinada a um conjunto de interesses económicos e financeiros que procuram defender o statu quo.

O currículo concretiza um plano cultural nacional a ser executado pela escola. Será um esforço inglório qualquer tentativa de determinar um projeto nacional para o sistema educativo sem um elevado consenso nacional, por duas razões fundamentais:

  1. Porque um projeto educativo nacional é um projeto de médio e de longo prazo e nenhum partido político pode garantir a manutenção desse plano para lá do seu mandato.
  2. Porque de um currículo nacional subjaz uma conceção de homem e uma conceção do mundo. Nenhum partido político, num sistema democrático, tem legitimidade para representar esse ideal humano.

Nuno Crato é, de facto, um ministro muito… crente!

Pensamentos avulsos, nada desconexos, sobre a alteração curricular.

1. Não é nada pacífico o processo pelo qual uma determinada elite procura impor o conhecimento que a sociedade deve interiorizar como oficial. A Escola é uma via e o currículo é o instrumento utilizado por essa elite para impor o conhecimento.

2. Observando a proposta do governo para a reorganização curricular percebe-se um grande peso ideológico no modo como são distribuídas as cargas horárias das diferentes disciplinas escolares. A conceção reducionista da educação, obcecada pelas exigências do mercado, acaba por afetar o desenho curricular conquistando preponderância as disciplinas que presumivelmente servem os interesses dessa elite conservadora.

3. Os professores têm sido renegados sistematicamente pela tutela na discussão sobre a configuração do desenho curricular . Percebe-se a hegemonia da conceção neo taylorista de escola. Os professores surgem no “lugar do morto” na discussão entre o governo e os diretores. Seguem (n)a viagem mas não têm qualquer intervenção na condução do processo.

4. É bem provável que se relevem valores perversos nas aulas, como o individualismo, o classismo, o egoísmo, a rivalidade,…

Revisão da estrutura curricular – Prevaleceu a lógica política imediatista.

Como se lê no documento divulgado ao fim da tarde, O Ministério da Educação e Ciência apresenta a revisão curricular, dando assim início a um período de consulta pública. Desconheço se foi apresentada a metodologia do processo de consulta e a respetiva calendarização. Para que este retalho de reforma se substantifique é necessário que a consulta pública não passe de uma mera operação de cosmética política só para pacóvio ler na imprensa. Emerge daqui a minha primeira questão:

Como se irá mobilizar o País para a educação?

Pelo modo segregacionista como se trataram as organizações sindicais, a questão parece ter encontrado já resposta.

Há, no entanto, outras questões que me ocupam mais o pensamento e que remetem para as lógicas políticas que subjazem a transformações profundas na educação. O documento apresentado reflete uma lógica política imediatista, de curto prazo. Ora, não basta prometer que “a etapa de revisão da estrutura curricular que agora se inicia abre caminho a reformas curriculares mais profundas que permitirão melhorar significativamente o ensino das disciplinas fundamentais.” Importa aclarar:

Que reformas profundas são essas? Quais as condições de sucesso de uma reforma tecnocrática e de que modo este tipo de reforma serve os interesses do desenvolvimento integral do homem? Está já anunciada uma mudança na Lei de Bases do Sistema Educativo? Será que essa alteração vai fazer tábua rasa das condicionantes e das dificuldades encontradas em 86?

Por último, não posso ficar indiferente à manifesta ingenuidade deste MEC que julga ser possível atingir resultados qualitativos na educação por decreto, sem envolver os professores, agentes centrais de qualquer mudança no sistema de ensino. Foi insensato abrir este capítulo ignorando a escola situada.

Nuno Crato parece não ter aprendido nada com o passado recente!…