Um caso de justiça II

(Carta publicada no jornal Público na secção das cartas à Directora)

O Supremo Tribunal de Justiça errou

Sou Professor há 36 anos. Sou Professor daquela coisa que alguns consideram mesquinha, vil, pecaminosa, secundária, subalterna, que se denomina CORPO. Seja pela via do Desporto de baixa, média e alta competição seja por via da Educação Física escolar, tenho dedicado a minha vida a ajudar as crianças e os jovens do meu país a crescerem, a tornarem-se homens e mulheres plenamente desenvolvidos, com carácter, com força (física e mental), com coragem, com valores que os ajudem a enfrentar as vicissitudes da vida de cabeça levantada e olhos límpidos.

Viver é um risco e as aulas de Educação Física e Desportiva são meios fundamentais para desenvolver nos jovens o gosto do risco, o prazer da aventura, a adesão a novos desafios. Não está aqui em causa somente a realização do corpo na sua dimensão física mas também, com carácter indissociável, a realização do corpo como entidade ética, estética e axiológica. Por isso, não aceito que os juízes do Supremo Tribunal de Justiça tenham condenado um colega a pagar mais de 75.000 euros de indemnização a uma aluna que se magoou no decurso de uma aula de Educação Física.Com esta atitude, os juízes deram uma machadada fortíssima no prestígio, eficiência e valorização social do Desporto e Educação Física (DEF) como fautores de Educação.

Com todos os cuidados necessários que é necessário ter, a aula de Desporto e Educação Física comporta um risco, risco esse que é a natural consequência de procurar "rendimento" formativo, educativo, pela via do corpo em movimento para lá dos limites do habitual. Numa época marcada pela hipocinésia como maleita civilizacional, a deliberação dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça não condenou um acto falhado de um professor (todos os tivemos, temos e teremos), mas sim constituiu-se como um libelo contra os professores de Educação Física e Desportiva que, com o humano receio de falhar, vão reduzir a dimensão formativa plural e assim contribuir para a expansão da hipocinésia, da morbilidade e da redução da qualidade de vida de todos. Só espero que todos os meus colegas assumam, com coragem, que o risco fez e continuará a fazer parte da nossa maravilhosa profissão.

José Augusto Rodrigues dos Santos

Professor associado com agregação

Faculdade de Desporto

Universidade do Porto

2 thoughts on “Um caso de justiça II

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s